Ronny Charles L. de Torres
Advogado da União.  Doutorando em Direito pela UFPE.  Mestre em Direito Econômico pela UFPB. Membro da Câmara Nacional de Licitações e Contratos da Consultoria-Geral da União. Autor de diversas obras jurídicas, destacando: Leis de Licitações Públicas comentadas (14ª ed. Jus Podivm); Direito Administrativo (coautor. 14ª edição. Jus Podivm); Licitações e Contratos nas Empresas Estatais (coautor. 3ª edição. Jus Podivm) e Comentários à Lei de Improbidade Administrativa (coautor. 2ª edição. Jus Podivm). Análise Econômica das licitações e contratos (coautor. Fórum).

Uma questão que reserva certa polêmica envolve a adesão, em 2024, às atas de registro de preços firmadas sob a égide da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 10.520/2002, após a revogação dessas leis.

Durante o período de “convivência normativa” entre a Lei nº 14.133/2021 e as leis que ela revogará (que corresponde ao lapso temporal entre a publicação da NLLCA e a revogação da Lei nº 8.666/93, da Lei nº 10.520/2002 e do RDC), é possível que a Administração opte pela utilização de uma ou outra legislação (a nova ou a anterior), mesmo que alternadamente, sendo vedada a aplicação simultânea ou combinada dos diversos regimes (novo e anterior). Tal possibilidade consta expressa no artigo 191 da Lei nº 14.133/21.

Caso a Administração opte por licitar ou contratar de acordo com os “antigos” regimes licitatórios, o contrato respectivo será regido pelas regras neles previstas durante toda a sua vigência, mesmo após a revogação da legislação anterior. Dessa forma, o legislador define uma interessante regra de ultratividade da legislação anterior, ao impor a aplicação dos “antigos” regimes licitatórios, mesmo após a sua revogação.

Essa ultratividade permite que aquelas situações iniciadas sob a égide da legislação anterior se perpetuem sob o período de vigência temporal da Lei nova. Sendo o processo licitatório formado por um encadeamento de atos praticados em sequência, iniciados na fase preparatória e seguindo adiante, por exemplo, pela publicação do edital, apresentação de propostas, documentos de habilitação, recursos, adjudicação e homologação, entre outros, até que o contrato seja efetivamente firmado, parece evidente que ao garantir a ultratividade da legislação anterior o legislador está protegendo a conclusão deste processo e a sua pertinente contratação.

Compreender esta regra é extremamente necessário para as licitações que adotem o instrumento (procedimento) auxiliar denominado Sistema de Registro de Preços, ou simplesmente SRP. Como ressabido, no Sistema de Registro de Preços, a licitação não tem como finalidade imediata uma contratação, mas sim a pactuação de um instrumento auxiliar denominado ata de registro de preços, que durante sua vigência pode gerar futuras contratações.

A continuidade da aplicação da ata de registro de preços, pela aplicação da regra de ultratividade, já havia sido defendida pela Advocacia-Geral da União, através do Parecer 00006/2022/CNLCA/CGU/AGU. Contudo, enquanto relator da referida manifestação, embora tenhamos defendido a ultratividade do regime anterior para as Atas de Registros de Preços firmados com base nele, durante o período de convivência normativa, permitindo sua utilização para ulteriores contratações, não abordamos explicitamente a possibilidade de adesão para órgãos não participantes, após o período de convivência normativa.

A não alusão explícita à possibilidade de adesão derivou do fato de antevermos uma peculiaridade entre o uso da Ata de Registro de Preços (ARP) pelos órgãos gerenciador e participantes, em relação ao uso para adesão à ARP, por órgão não participante.

Para o gerenciador e participante, que integraram o processo de licitação que gerou a ARP, a “opção” por adotar o regime anterior (antigo) para as futuras contratações decorrentes da Ata foi necessariamente definida durante o período de convivência normativa, o que garante a aplicação da regra de ultratividade do artigo 191 da Lei nº 14.133/2021. Já em relação à adesão, é possível que mesmo o início do processo para atendimento da demanda administrativa ocorra meses após a publicação da Ata, inclusive depois do fim do período de convivência normativa, quando não mais caberia a opção por licitar ou contratar de acordo com o regime anterior (antigo).

O Decreto federal nº 11.462/2023, ao regulamentar o Sistema de Registro de Preços no âmbito federal, expressamente admitiu a adesão a tais instrumentos auxiliares ainda regidos pelo Decreto federal nº 7.892/2013, durante suas vigências (das Atas). Nesta senda, o § 2º de seu artigo 38 estabeleceu que as atas de registro de preços regidas pelo Decreto nº 7.892, de 2013, durante suas vigências, poderão ser utilizadas por qualquer órgão ou entidade da Administração Pública federal, municipal, distrital ou estadual que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador, observados os limites previstos no referido Decreto.

Em sentido diverso, o Plenário do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo emitiu opinião definindo que se o pedido de adesão do “carona” e a respectiva concessão pelo órgão responsável pela ata de registro de preços forem realizados dentro do período temporal estabelecido pelas regras de transição da Nova Lei de Licitações, até 29/12/2023 (convivência normativa), os contratos decorrentes seguirão a mesma legislação prevista na ata, desde que pactuados durante a sua vigência, ainda que formalizados após a referida data limite[1]. Como se vê, o TCE/ES restringiu em 2024 a possibilidade de utilização pelos órgãos não participantes, para atas regidas pelo regime anterior.

Pois bem: se, por um lado, é defensável a tese de que a continuidade da validade da ARP traria necessariamente como consequência a possibilidade de adesão, como definido pelo regulamento federal, por outro lado, importante ponderar que a adesão se equipara a uma forma anômala de contratação direta, cujo processo pode se iniciar meses depois a publicação da ata de registro de preços.

Sendo a decisão de realizar a contratação de acordo com regime das leis antigas, ainda no prazo de convivência normativa (condição definida pelo legislador, em seu artigo 191, para preservar a ultratividade do regime anterior), parece legítimo que tal decisão, ocorrida ainda em 2023, justifique posterior adesão, mesmo que ela apenas se conclua em 2024.

Contudo, seria legítimo admitir que um processo de contratação iniciado apenas em junho de 2024, portanto sob a égide exclusiva da Lei nº 14.133/2021, chegasse em julho ou agosto de 2024 à decisão de adesão a uma Ata de Registro de Preços lastreada na Lei nº 8.666/93? Necessário perceber que a “opção” pela contratação com base no regime antigo seria totalmente extemporânea ao período de convivência normativa, que durou apenas até o fim de dezembro de 2023, não se justificando a aplicação da regra de ultratividade normativa, ao menos não nos termos do artigo 191 da Lei nº 14.133/2021.

Em tese, conforme entendimento defendemos em congressos e eventos durante todo o ano de 2023, novas demandas que surjam em 2024, após a revogação da legislação antiga, deveriam se submeter à legislação nova, inclusive em relação ao planejamento da contratação e em relação à regra que veda hibridismo entre o regime novo e as legislações antigas, o que impediria a adesão a atas lastreadas no regime antigo. Assim, embora sejam claramente legítimas as adesões cujo procedimento tenha se iniciado com a devida opção pela adoção do regime antigo, ainda no período de convivência normativa, é questionável a defesa da ultratividade normativa para novas demandas surgidas após a revogação da Lei nº 8.666/93, da Lei nº 10.520/2002 e da Lei do RDC, quando não mais seria admitida tal opção, pelo regime definido no artigo 191 da Lei nº 14.133/2021.

Nada obstante, até que seja apresentada alguma restrição por parte dos órgãos de controle ou mesmo mudança do regulamento federal, convém ponderar que o Decreto federal nº 11.462/2023 admitiu, sem qualquer restrição, a adesão a atas de registro de preços regidas pelo Decreto nº 7.892, de 2013, durante suas vigências, mesmo durante o ano de 2024.

 

[1] TCE/ES. Parecer em Consulta 00016/2023-1 – Plenário. Processo: 00879/2023-4.

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