Carmen Boaventura
Advogada no Boselli & Loss Advogados Associados. Especialista em Direito Administrativo. Especialista em Licitações e Contratos Administrativos. Coautora do livro “Licitações e Contratos Administrativos na Lei 14.133/21 Aspectos Gerais” – Editora Negócios Públicos, 2022. Membro da Comissão de Estudos em Licitações e Contratos da OAB/BA. Professora da Pós Graduação em Licitações e Contratos do CERS, Palestrante e autora de artigos sobre temas que envolvem licitações e contratos administrativos.
Como é cediço, a impugnação é uma forma de insurgência do licitante, inconformado com os termos do Edital, em virtude de alguma ilegalidade. Apesar de ser um conceito comum e já conhecido, é interessante pensar além: a impugnação é um instrumento de controle de legalidade realizado pelo próprio mercado e uma ferramenta muito útil à Administração. Você, seja fornecedor ou agente público, já pensou sob este aspecto?
Este breve artigo, além de tratar da disposição da nova lei sobre a impugnação, se propõe a refletir sob uma ótica diferente: a impugnação como forma de colaboração, que deve ser utilizada pelo mercado, pelas empresas que atuam no dia a dia nas licitações, em relação ao que propõe cada instrumento convocatório.
A Lei n° 14.133/21 estabelece que qualquer pessoa é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação da lei ou para solicitar esclarecimento sobre os seus termos, devendo protocolar o pedido até 3 (três) dias úteis antes da data de abertura do certame (art. 164).
A Lei n° 8.666/93, ainda vigente na data da escrita deste artigo, estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação da Lei, devendo protocolar o pedido até 5 (cinco) dias úteis antes da data fixada para a abertura dos envelopes de habilitação (§ 1º do art. 41).
E ainda, estipula que o licitante deve fazê-lo até o segundo dia útil que anteceder a abertura dos envelopes de habilitação em concorrência, a abertura dos envelopes com as propostas em convite, tomada de preços ou concurso, ou a realização de leilão, sob pena de decadência (§ 2º do mesmo artigo).
A nova lei destaca que, qualquer pessoa, física ou jurídica, deve manejar a impugnação, ao perceber qualquer ilegalidade, seja do ponto de vista da exigência de documento de habilitação, ou até mesmo das especificações do objeto, insurgindo-se perante a Administração para que a previsão do Edital seja corrigida.
Essa atuação permite que a Administração possa rever seus atos, através da autotutela administrativa e retificar eventuais ilegalidades dispostas no instrumento convocatório. Muitas empresas ainda se sentem intimidadas a manejar impugnação em decorrência de uma percepção cultural de que poderia ser perseguida pelos órgãos, por, eventualmente, atrapalhar o fluxo da licitação.
Na prática, infelizmente, sabe-se que existem impugnações meramente protelatórias, que não trazem resultados úteis à licitação, estas devem ser repelidas. Entretanto, é preciso valorizar aquelas impugnações oportunas e que são indispensáveis para a revisão do ato administrativo, trazendo consequências muito benéficas ao ente público, seja por ampliar a competitividade no certame, permitindo que mais empresas possam participar da licitação, seja em razão da obtenção de uma proposta mais vantajosa.
É preciso desmistificar essa ideia pretérita de que a impugnação é uma ferramenta ruim – muito pelo contrário, as impugnações elaboradas por empresas sérias, de fato contribuem para uma contratação mais vantajosa e mais eficiente. O fornecedor conhece o mercado que atua, conhece os produtos que comercializa bem assim as especificações e a sua utilidade.
Através da impugnação, o mercado tem a possibilidade de diminuir a assimetria de informações existente no mundo real entre administração e licitantes, pois há revelação de pontos importantes, muitas vezes, desconhecidos pelo ente público (para aprofundamento sobre assimetria de informações vale a leitura do artigo do Marcos Nóbrega e Diego Jurubeba – disponível em: https://ronnycharles.com.br/wp-content/uploads/2020/07/Assimetrias-de-informac%CC%A7a%CC%83o-na-nova-Lei-de-Licitac%CC%A7a%CC%83o-e-o-problema-da-selec%CC%A7a%CC%83o-adversa-MN-DJ.pdf).
Inclusive, oportuno destacar que, mesmo sendo uma impugnação recebida intempestivamente, se tratar de assunto ilegal, deve ser revisto pela Administração. Válido rememorar o exercício do direito de petição, constitucionalmente previsto, que constitui direito fundamental contra qualquer tipo de ilegalidade. Uma vez provocado pelo particular, a Administração tem a obrigação de apurar eventual irregularidade em Edital. Conforme disposição do Acórdão n° 7289/2022 TCU – Primeira Câmara, “o agente público tem o dever de adotar providências de ofício com vistas à correção de eventuais ilegalidades que cheguem ao seu conhecimento.”.
É inegável a importante colaboração das empresas no processo licitatório, notadamente através da impugnação, reprimindo cláusulas ilegais. Uma impugnação coerente permite que o ente público possa ter conhecimento de informações antes não percebidas, possibilitando a participação de um maior número de fornecedores, que antes não participariam da licitação pela presença de uma cláusula restritiva.
É preciso que tanto o fornecedor como a Administração tenham um novo olhar sobre a uma impugnação: além de uma forma de controle, como uma forma eficaz de colaboração ao processo licitatório, sendo um mecanismo de revelação de informações, permitindo a ampliação da competitividade e a celebração de contratos mais eficientes.