Hipóteses de uso do sistema de registro de preços – o que muda na Nova Lei de Licitações?

19 de março de 2024

Por Ronaldo Côrrea

Introdução

Apesar de não ser uma novidade trazida pela Nova Lei de Licitações e Contratos-NLLC, o Sistema de Registro de Preços ou SRP ainda causa diversas dúvidas quando da sua utilização pelos agentes públicos, a começar pelas hipóteses onde o órgão pode utilizá-lo, além de diversos outros pontos, alvos de questionamentos e divergências frequentes.

Originalmente, o regulamento editado pelo chefe do Poder Executivo Federal vincula somente os órgãos a ele subordinados. No entanto, não é nada incomum a adoção indiscriminada de tal regulamento pelos demais órgãos, vinculados a outros entes federativos ou poderes, não subordinados aos regulamentos editados pelo Presidente da República. Especialmente por conta da redação do art. 187 da NLLC, que prevê expressamente que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão aplicar os regulamentos editados pela União para execução da Lei nº 14.133, de 2021.

Diante disso, e levando em conta as diversas dúvidas que ainda persistem sobre o uso do SRP e o potencial de impacto nas contratações públicas de órgão de todos os poderes e esferas, faremos uma análise dos regulamentos federais do SRP editados até agora. E também faremos a comparação do regulamento federal do SRP para a NLLC, editado em 2023, com a última versão do regulamento do SRP, editado em 2013 para uso nas licitações regidas pelas leis ora revogadas.

Previsão legal do SRP e seu uso

Desde a sua redação original, publicada em 21 de junho de 1993, que a Lei nº 8.666, traz a previsão de uso do SRP como dever, “sempre que possível” a sua adoção. Tal “preferência legal” foi inclusive destacada nas conclusões do Parecer 10/2023-CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, da lavra do Procurador Federal e professor Rafael Sérgio de Oliveira, posteriormente ratificado pelos membros da Câmara Permanente de Licitações e Contratos e aprovado pelo Diretor do Departamento de Consultoria e pelo Procurador-Geral Federal, nos seguintes termos:

“o Sistema de Registro de Preço goza de preferência legal, quando constatadas uma das hipóteses previstas no art. 3º, do Decreto nº 7.892/2013;”
“poderá ser afastada a preferência do Sistema de Registro de Preço nos casos em que reste comprovada nos autos da contratação a ineficiência econômica ou gerencial decorrente da adoção do registro de preços”

Quando da sua previsão na Lei nº 8.666, de 1993, o SRP abrangia somente compras e tinha uso incipiente, implementado inicialmente como uma espécie de “banco de preços” para orientar o julgamento da licitação, conforme se verifica no Decreto nº 449, de 1992, que regulamentava o Sistema Integrado de Registro de Preços (Sirep).

O formato de “procedimento auxiliar” da licitação passou a ser adotado somente a partir de 1998, com a edição do Decreto nº 2.743, posteriormente revogado pelo Decreto nº 3.931, de 2001, que também veio a ser revogado, quando da publicação do Decreto nº 7.892, de 2013.

O SRP passou a ser sistematicamente adotado quando a Lei nº 10.520, de 2002, previu a sua adoção também para as contratações de bens e serviços comuns, além das compras, quando adotada a modalidade de pregão, conforme regulamento específico.

Já na Nova Lei de Licitações, apesar da redação conceituar o SRP como sendo aplicável à prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens, ao definir sobre o seu uso na licitação, a norma limitou-se a tratar sobre o dever de processamento por meio do SRP nos casos de compras, quando pertinente.

Ao elaborar a sua lista de verificação para as licitações de compras e serviços sem dedicação exclusiva de mão de obra – DEMO, realizadas com base na NLLC, a Advocacia-Geral da União – AGU, indica que o órgão deve apresentar “justificativa para não utilização de sistema de registro de preços”. Tal requisito não consta da lista de verificação da AGU para licitações de serviços com DEMO. O fundamento legal indicado pela AGU é o art. 40 da NLLC que fixa:

Art. 40. O planejamento de compras deverá considerar a expectativa de consumo anual e observar o seguinte:
II – processamento por meio de sistema de registro de preços, quando pertinente;

Em que pese a expressão “sempre que possível”, constante da Lei nº 8.666, de 1993, ser mais enfática do que a expressão “quando pertinente”, da NLLC, creio que não devemos considerar que o uso do SRP na NLLC seja de fato discricionário, podendo o gestor optar ou não pelo seu uso, conforme conveniência pessoal, mesmo nos casos de licitações que não sejam para compras.

Tal conclusão leva em conta o dever legal constante da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, que exige a demonstração da necessidade e da adequação de cada decisão do gestor público – como no caso de optar por usar ou não o SRP. Já que a alternativa de usar o SRP para “registro formal de preços relativos a prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens para contratações futuras” encontra-se prevista expressamente na norma geral de licitações, devem ser consideradas as consequências práticas de tal decisão para a Administração.

Afinal de contas, se o SRP pode trazer vantagens em termos de aumento do poder de barganha com o incremento de participantes, potencial redução de preços, devido à maior atratividade para o mercado devido ao maior volume licitado, racionalização de custos processuais, devido à redução dos processos de licitação nos órgãos participantes, dentre outras consequências diretas ou indiretas, conforme o caso. Para abrir mão do uso do SRP o gestor deveria no mínimo justificar, como indicava o citado Parecer 10/2023-CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, quanto à necessidade de comprovação da ineficiência econômica ou gerencial decorrente da adoção do registro de preços, caso se optasse pelo seu afastamento.

Sendo considerada uma novidade oriunda da legislação de compras criadas no contexto da pandemia de Covid 19, a previsão de uso do SRP para contratação direta por dispensa ou inexigibilidade consta da NLLC, limitada aos casos de atendimento a mais de um órgão ou entidade.

No entanto, notem que nem na Lei nº 8.666, de 1993, nem na NLLC, consta indicação ou fixação das hipóteses de uso do SRP para licitação, sendo que tal matéria sempre foi objeto de regulamentação, como passaremos a analisar a seguir.

Hipóteses de uso do SRP no Governo Federal

Tendo sido regulamentado pela primeira vez no ano de 1998 no formato de “procedimento auxiliar” da licitação, o SRP instituído pela Lei nº 8.666, de 1993, teve a previsão de hipóteses de uso alteradas a cada novo regulamento, como se vê na listagem a seguir.

Decreto nº 2.743, de 1998

Art 4º Será adotada, preferencialmente, a licitação para registro de preços, nas seguintes hipóteses:
I – quando, pelas características do bem, houver necessidade de aquisições frequentes[1];
II – quando for mais conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas[2]; ou
III – quando for conveniente a aquisição do bem para atendimento a mais de um órgão ou entidade[3].

Decreto nº 3.931, de 2001

Art. 2º  Será adotado, preferencialmente, o SRP nas seguintes hipóteses:
I – quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações frequentes[1];
II – quando for mais conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas [2] ou contratação de serviços necessários à Administração para o desempenho de suas atribuições[3];
III – quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade[4], ou a programas de governo[5]; e
IV – quando pela natureza do objeto não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração[6].

Decreto nº 7.892, de 2013

Art. 3º O Sistema de Registro de Preços poderá ser adotado nas seguintes hipóteses:
I – quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações frequentes[1];
II – quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas[2] ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida[3] ou em regime de tarefa[4];
III – quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade[5], ou a programas de governo[6]; ou
IV – quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração[7].

Quanto a estes regulamentos, vinculados ao SRP previsto na Lei nº 8.666, de 1993, em primeiro lugar observe-se que, ao fixar o rol de hipóteses de uso do SRP, os dois primeiros regulamentos indicam o uso preferencial do SRP, alinhando-se ao já mencionado Parecer 10/2023-CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, enquanto que o último indica meramente a possibilidade de uso, sem indicar que ela seja preferencial ou não.

Em segundo lugar, notamos que o número de hipóteses de uso do SRP nem sempre coincide com o número de incisos dos respectivos artigos que as prevêem, como ocorre por exemplo com o inciso que prevê a hipótese de uso do SRP para atendimento a mais de um órgão ou entidade ou a programas de governo, sendo que não se exige o enquadramento cumulativo neste caso, bastando o enquadramento em uma e apenas uma das duas hipóteses de uso previstas no mesmo inciso. O mesmo ocorre no inciso que prevê o uso do SRP para aquisição de bens com previsão de entregas parceladas, ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida, ou em regime de tarefa, totalizando três hipóteses de uso do SRP no mesmo inciso, mas todas claramente identificáveis e individualizáveis, especialmente pelo uso da conjunção alternativa “ou”.

Já em relação ao regulamento do SRP para aplicação às licitações da Administração Pública Federal regidas pela NLLC, foi editado o Decreto nº 11.462, de 2023, que fixou as seguintes hipóteses de uso:

Art. 3º  O SRP poderá ser adotado quando a Administração julgar pertinente, em especial:
I – quando, pelas características do objeto, houver necessidade de contratações permanentes[1] ou frequentes[2];
II – quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas[3] ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida, como quantidade de horas de serviço, postos de trabalho ou em regime de tarefa[4];
III – quando for conveniente para atendimento a mais de um órgão ou a mais de uma entidade, inclusive nas compras centralizadas[5];
IV – quando for atender a execução descentralizada de programa ou projeto federal, por meio de compra nacional[6] ou da adesão de que trata o § 2º do art. 32[7]; ou
V – quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração[8].

Se compararmos a redação acima com aquela do Decreto nº 7.892, de 2013, notamos algumas diferenças em relação às hipóteses de uso do SRP, numeradas acima [entre colchetes]:

  • No inciso I, caso a contratação seja permanente ou pelo menos frequente, poderá ser utilizado o SRP, enquanto que no decreto anterior previa-se somente a hipótese de contratação frequente. No entanto, nota-se que se a contratação for permanente, certamente poderá ser enquadrada como frequente. Enquanto que o contrário não é verdade. Já que uma contratação frequente não pode ser considerada permanente;
  • no inciso II, não houve alteração das hipóteses de uso do SRP, sendo que o novo regulamento detalhou um pouco melhor o que seriam os “serviços remunerados por unidade de medida”;
  • No inciso III, houve uma cisão gerando dois incisos, onde constam praticamente as mesmas hipóteses de uso do SRP, com a diferença que, agora, o atendimento tanto de programa quanto de projeto federal pode ser feito mediante o uso do SRP, além de serem previstas duas formas de operacionalização: por meio da compra nacional, da qual já tratamos anteriormente em outro artigo, ou por meio de adesão de órgãos e entidades da Administração Pública estadual, distrital e municipal, quando exigida para fins de transferências voluntárias da União;
  • No inciso V, antigo inciso IV, temos a mais tradicional e conhecida das hipóteses de uso do SRP, adotada nos casos de demanda imprevisível.

Conclusões

Apesar do Decreto nº 11.462, de 2023, ser destinado À Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, o seu uso é disseminado em órgãos de outros poderes e esferas, especialmente por conta de previsão expressa na NLLC neste sentido, sendo necessário analisar o impacto de eventuais mudanças nas hipóteses de uso do SRP nele contidas.

Enquanto a Lei nº 8.666, de 1993, previa o dever de uso do SRP “sempre que possível”, sendo indicado pela AGU o caráter preferencial do seu uso, na NLLC previu-se o uso do SRP “quanto pertinente”. Porém, a conclusão é de que o uso do SRP na NLLC continua sendo preferencial, exigindo motivação para o seu afastamento, devido às possíveis consequências práticas vantajosas que o mesmo pode trazer para a Administração.

Exceto no que se refere à previsão de uso do SRP para contratação direta, tanto na Lei nº 8.666, de 1993, quanto na NLLC, não há fixação de hipóteses de uso do SRP em licitação. Sendo que tal matéria sempre foi e continua sendo objeto de regulamento, podendo haver alterações a cada nova edição do regulamento.

Desde a publicação da Lei nº 8.666, de 1993, foram editados cinco decretos regulamentando a matéria, sendo que o primeiro deles regulamentou o SIREP, que funcionou como uma espécie de banco de preços e não como procedimento auxiliar, como temos hoje o SRP na NLLC.

A cada nova edição do regulamento federal do SRP, as hipóteses de uso do SRP foram sendo alteradas ou ampliadas, sendo que, em comparação ao Decreto nº 7.892, de 2013, o regulamento do SRP para a NLLC traz algumas alterações nas hipóteses de uso do SRP.

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