Nier Medeiros

Depois de muita espera, o Governo Federal publicou em 09 de Janeiro de 2024 o Decreto 11.878, que regulamenta no âmbito federal o Credenciamento, procedimento auxiliar de contratação previsto no Art. 79 da Lei Federal 14.133 (Nova Lei de Licitações e Contratos).

Embora o procedimento de credenciamento tenha ganhado destaque apenas com a nova lei de licitações, essa modelagem de contratação já era usada na administração pública municipal, principalmente na área da saúde, com a contratação de serviços médicos, consultas, exames laboratoriais e de imagem, bem como para contratação de mão de obra, porém, sem previsão expressa legal, as organizações não conseguiam manter um padrão, e com isso incorriam em risco de realização de contratações irregulares, mesmo se tratando de uma boa prática.

Agora com a chegada da Lei 14.133/2021 e o credenciamento como um de seus procedimentos auxiliares, visando a contratação direta por inexigibilidade, muito se espera que se amplie o campo de enquadramento de novos objetos nesse modelo inovador de contratar, trazendo mais eficiência para os municípios, desburocratizando contratações, diminuindo riscos e entregando ainda mais serviços públicos de qualidade para a população em todo país.

Com a regulamentação do credenciamento, a administração pública agora possui um caminho a seguir e no segmento de frota, onde temos vários objetos importantes como a aquisição de combustível, transporte escolar, locação de veículos e manutenção de veículos, teremos uma inovação importante com o uso deste procedimento auxiliar na busca de melhoria na execução dos contratos.

Nessa esteira, a aquisição de combustíveis se apresenta como um dos maiores problemas enfrentados ao longo de toda a história pela administração pública e principalmente pelos municípios, onde estão os principais serviços essenciais ofertados aos cidadãos, que por sua vez dependem diretamente do transporte público, seja para locomoção de pessoas, pacientes, estudantes ou até mesmo serviços em geral.

DOS ESTUDOS TÉCNICOS PRELIMINARES

Com demandas levantadas e objetivo da contratação definido, sempre se fez necessário um estudo preliminar das opções que o mercado oferece para atingir esse objetivo e contratar a melhor solução, porém como a Lei 8.666/93 citava a necessidade dos estudos bem de forma tímida, tudo ficava “dentro da cabeça” do agente público e não se materializava no processo administrativo, o que agora se faz necessário e obrigatório na nova norma, como reza o Art. 18, I, da Lei 14.133/2021:

Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:

I – a descrição da necessidade da contratação fundamentada em estudo técnico preliminar que caracterize o interesse público envolvido;

(…)

§1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos:

Com o objetivo de abastecer toda a frota de veículos e máquinas, o estudo preliminar nos aponta 4 soluções que podem ser eficientes na sua organização, que são elas:

  1. Construção de um posto de combustível próprio;
  2. Contratação de Posto Revendedor para aquisição dos combustíveis;
  3. Contratação da quarteirização para adquirir os combustíveis através de cartões de pagamento.
  4. Credenciamento para contratação direta, simultânea, de postos revendedores.

A construção de um posto de combustível próprio pode ser uma solução eficiente para grandes centros, onde a alta demanda tende a atrair as distribuidoras de combustíveis, assim tendo a administração pública que realizar licitação na modalidade “pregão”, com objeto definido na aquisição de combustíveis, a preço de custo, e fornecimento de equipamentos e toda a estrutura necessária, em regime de comodato, o que pode trazer bastante economia na compra dos combustíveis, porém não se apresenta como uma solução viável para municípios de pequeno e médio porte, onde as demandas de consumo não justifica um custo benefício viável para realização de toda a operação, assim não despertando o interesse das grandes distribuidoras.

Seguindo nos estudos preliminares, a contratação de um posto revendedor de combustíveis, através de pregão, é a solução mais utilizada pela administração pública municipal, porém esta solução sempre apresentou dificuldades na execução dos contratos, onde o controle da aquisição é bem complicado de ser realizado, como também o controle dos preços por se tratar de um mercado de livre comércio e com variações constantes, o que dificulta a execução dos contratos, prejudicando inclusive a fiscalização por parte dos agentes públicos.

Diante da problemática das variações de preços, com o passar dos anos a administração começou a utilizar licitação do tipo “maior desconto”, onde o controle de preços é feito com base na tabela oficial da ANP (Agência Nacional de Petróleo), assim mantendo um desconto fixo durante todo o contrato e o preço unitário dos combustíveis ficando variável de acordo com o mercado e o levantamento realizado pela ANP, podendo a periodicidade de atualização ser definida em edital, de acordo com real necessidade da administração.

Embora seja a solução mais utilizada atualmente, a execução dos contratos demonstra uma enorme fragilidade, dessa vez no controle do uso diário dos combustíveis, onde tudo é feito de forma manual, fazendo com que gestores e fiscais não consigam combater de forma eficiente vícios e fraudes, momento em que surge no mercado a opção da quarteirização do objeto, utilizando softwares de controle atrelados ao fornecimento dos combustíveis, assim oferecendo uma rede credenciada pelo contratado e o pagamento sendo feito através de cartões frota, o que de fato facilita a logística de abastecimentos  diários.

Cabe ressaltar que embora a opção da “quarteirização” se apresente como uma solução inovadora e tecnológica, alguns pontos importantes devem ser observados, principalmente no que tange o controle de preços e o controle de pagamento da rede credenciada, e alguns Tribunais de Contas já têm se posicionado contra a unificação das licitações de aquisição de combustíveis e utilização de softwares de controle, como foi o caso do TCE/RN:

“(…)NECESSIDADE DE LICITAÇÕES DISTINTAS. AQUISIÇÃO DE CARTÕES MAGNÉTICOS DESTINADOS A GERENCIAMENTO DE COMBUSTÍVEIS NÃO SUBSTITUI LICITAÇÃO PARA AQUISIÇÃO DO PRÓPRIO COMBUSTÍVEL. OBJETOS DISTINTOS. NECESSIDADE DE CONTRATAÇÃO DIFERENCIADA.” (grifos acrescidos).

ACÓRDÃO 575/2016-TCE/RN, Tribunal Pleno.

Me parece que ao decidir sobre a necessidade de licitações distintas para os municípios do Rio Grande do Norte, se visualiza uma desnecessidade dessa criação da rede credenciada pela contratada, uma vez que não se tem como garantir que o veículo será de fato abastecido no menor preço do mercado e o uso local da frota não comprova a necessidade de possuir postos revendedores em diversos locais, em condições de fornecimento diversas, ficando a simples critério do condutor, ou do coordenador da frota, abastecer em qualquer local.

Outro fato que chama atenção é o custo final do preço do combustível, onde embora em muitos casos não exista uma cobrança direta para a administração pública, sendo muitas vezes praticado um “desconto negativo”, na relação entre a contratada e o posto revendedor existe um alto custo por operação de abastecimento, além de um longo prazo de repasse de valores, o que pode afastar interessados, diminuindo o mercado de credenciados, prejudicando a eficiência da contratação e ainda elevando o preço fornecido e pago pela administração pública.

Mas se existe mesmo a necessidade de uma rede credenciada de fornecedores de combustíveis, por que não a própria administração realizar esse credenciamento de forma direta?

Partindo desse pressuposto, a nova lei de licitações apresenta o credenciamento como forma de que a administração possa criar sua própria rede de fornecedores, agora em condições padronizadas definidas em edital, para que todos os interessados forneçam os produtos ou prestem os serviços de forma simultânea.

Assim sendo, em se tratando de fornecimento de combustíveis, a administração deverá realizar estudos de forma a mapear sua real necessidade de demanda, listando em edital os locais onde necessita de postos revendedores para abastecimento de sua frota, padronizando as regras do fornecimento como, por exemplo, a fixação de um desconto no preço do litro, tomando sempre por base o relatório de preços da ANP daquela determinada região, assim atraindo quantos fornecedores forem necessário e definindo as regras de fornecimento e periodicidade de pagamento no edital de credenciamento.

Com preços e condições definidas, é fundamental que o edital também defina as condições de abastecimento entre os credenciados no tocante a escolha para onde os veículos serão direcionados, de modo que a administração estabeleça critérios objetivos como forma de garantir que todos forneçam os produtos de acordo com a necessidade e a comodidade da logística da frota, podendo inclusive realizar credenciamento de postos por regiões da própria cidade, que se aproximem mais de cada secretaria municipal, evitando grandes deslocamentos para o abastecimento.

Desta forma a administração pública contrata diretamente seus fornecedores, podendo inclusive intensificar a fiscalização de maneira mais incisiva, por não possuir mais “fornecedores quarteirizados” definindo as regras do credenciamento e possibilitando ao mercado a oferta de condições melhores para o município e para o fornecedor, com garantias mais seguras.

DO CREDENCIAMENTO COMO SOLUÇÃO PARA MITIGAR RISCOS

Um dos problemas mais enfrentados atualmente nos municípios é a dificuldade de encontrar fornecedores que garantam o cumprimento das cláusulas contratuais de forma segura para a administração, principalmente quando falamos em reposição de estoque por parte do contratado, evitando que falte combustível e ocorra um desabastecimento da frota.

O planejamento da contratação desse objeto requer o apontamento de soluções alternativas a fim de que determinada ocorrência negativa seja minimizada ou até mesmo evitada, garantindo que não haja interrupção do fornecimento, até mesmo porque estamos tratando também de veículos que precisam reabastecer quase que diariamente, como por exemplo o caso de ambulâncias, que transportam pacientes, inclusive em casos de urgência e emergência, como também o transporte escolar que desloca os alunos da rede pública diariamente para as escolas.

Neste cenário de riscos, o credenciamento também se figura como a solução mais eficaz na execução, uma vez que os postos serão credenciados para fornecerem os produtos de forma simultânea, assim garantindo que exista sempre um local de abastecimento como segunda opção, o que não ocorre quando a contratação é realizada por pregão e a administração possui apenas um contratado para fornecimento de cada produto.

Outro ponto positivo do credenciamento no controle de riscos é o fato da possibilidade de novos interessados se credenciarem a qualquer tempo durante o prazo de execução contratual previsto em edital, não sendo necessária a realização de uma nova licitação, bastando apenas o novo interessado solicitar seu credenciamento e atender os requisitos mínimos de habilitação.

Por fim, me parece que o procedimento auxiliar de credenciamento, previsto no Art. 79 da Lei Federal 14.133/2021, chegou para revolucionar algumas contratações públicas, principalmente as mais suscetíveis ao risco de comprometimento de paralisação de serviços essenciais, independente do motivo, uma vez que ao criar sua própria rede credenciada, a administração sempre terá mais de uma opção para fornecimento imediato, garantido sempre que o objetivo da contratação será atingido com a eficiência necessária.

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