Ronny Charles L. Torres[1]
Em muitas negociações, a assimetria de informações pode prejudicar uma das partes na busca de sua melhor contratação. Para citar um exemplo cotidiano, é natural que, ao decidir vender um carro, o proprietário tenha uma “margem especial” de valor mínimo pela qual pode aceitar vender seu veículo. Normalmente, essa margem é inferior ao valor de mercado e a diferença pode ser maior de acordo com circunstâncias vivenciadas, como necessidade, oportunidade ou interesse na venda. Da mesma forma, quem deseja adquirir aquele bem, o potencial comprador, tem ideia do valor de mercado possível para a aquisição (tanto a “pechincha” como o “preço justo”), mas pode admitir uma contratação com “margem especial” até superior, dependendo também de circunstâncias como necessidade, oportunidade ou interesse naquele objeto específico.
Em ambas as situações, quando uma das partes disponibiliza essa informação (sobre o preço máximo que admite pagar ou o preço mínimo que admite vender) à parte contrária, esta última passa a deter certa vantagem no processo de negociação.
Assim, em uma licitação para a contratação de determinado serviço, quando a Administração informa previamente o preço máximo que aceita pagar, ela cria um incentivo econômico para que o fornecedor utilize este valor como referência de proposta, mesmo que seu preço real seja inferior. Este comportamento é muito comum, notadamente quando se adota o procedimento de lances, sem desclassificação das propostas com valores mais elevados, característico do pregão eletrônico. A possibilidade de reduzir, ou não, sua proposta através de lances sucessivos, de acordo com o nível de competitividade do certame e a necessidade, garante um incentivo à maximização dos preços, no momento da apresentação das propostas, sem risco de desclassificação.
Noutro diapasão, sem a baliza do preço máximo estimado, as propostas podem representar, com maior fidedignidade, o preço que o mercado oferece para tal pretensão contratual. Assim, com o orçamento sigiloso, sem a referência máxima informada pela Administração, os licitantes tenderiam a apresentar propostas de acordo com suas próprias estimativas, deixando de usar a referência maior para maximizar seus lucros.
A teoria econômica reconhece que os processos licitatórios para contratações pelo Poder Público possuem estrutura que se assemelha muito aos leilões, havendo correlação entre o comportamento do licitante e o comportamento da Administração. Nessa perspectiva, a adoção ou não do orçamento sigiloso deve ser analisada sob seu enfoque econômico e os potenciais benefícios ou prejuízos que sua adoção trará (ou não) ao órgão licitante.
O aplicador do Direito deve complementar a análise de conceitos jurídicos com outras áreas de conhecimento, entre elas a ciência econômica. Conforme ensinou Bobbio, o aplicador da norma, sem desprezá-la, deve buscar, nos fatos sociais e em outros ramos do conhecimento, a adequada compreensão do direito positivado.
Em uma licitação pública, na qual existe sigilo do orçamento estimado para a contratação, dependendo da modelagem do certame, a racionalidade econômica do fornecedor é oferecer o preço mais baixo e as melhores condições, para vencer a licitação, pois não há referência de valor disponível de dispêndio. Noutro prumo, quando a estimativa de custos é publicizada e a Administração indica o máximo que está disposta a pagar, a racionalidade econômica do fornecedor pode se alterar.
Obviamente, outros fatores, como a adoção do modo aberto (com lances) e a própria competividade do certame afetarão as estratégias dos licitantes. Assim, o orçamento sigiloso deve ser compreendido como um fator que pode, ou não, auxiliar na obtenção de um melhor resultado na licitação.
Em suma, no Brasil, o orçamento sigiloso, que é relativo, já que os órgãos de controle terão acesso a tais informações, e temporário, já que via de regra será publicizado após a etapa competitiva, tem o condão de omitir dos licitantes o valor máximo que a Administração se propõe a pagar, entre outros fundamentos, pela percepção de que este sigilo induzirá a apresentação de propostas em um valor mais próximo do preço transacional imaginado pelo fornecedor, e não baseadas no valor máximo admitido pela Administração.
Nesta perspectiva econômica, o “caráter sigiloso do orçamento” pode ter o intuito de induzir melhores propostas, atendendo aos princípios da competitividade, da eficiência e da economicidade, buscando evitar que o preço de reserva da Administração influencie um alinhamento das propostas apresentadas; outrossim, no sentido contrário, busca induzir as empresas a apresentarem seu preço de reserva.
Por fim, importa destacar interessante efeito prático do sigilo do orçamento, com reflexos positivos ao objetivo de alcançar potencial vantagem no processo competitivo. A não publicação da planilha de custos, preenchida com a estimativa feita pela administração, dificulta a participação de empresas sem expertise, com menor capacidade de planejamento, precificação de custos ou mesmo pouca responsabilidade técnica na confecção de suas propostas. Isso porque, normalmente, elas não possuem equipe de orçamentistas e costumam usar o preço estimado pela administração como parâmetro, aplicando apenas um percentual de redução dos valores, muitas vezes, sem um trabalho técnico e responsável de sua própria equipe.
Essa dificuldade deve ser compreendida positivamente, pois esse tipo de empresa costuma gerar diversos problemas na execução contratual, com prejuízos flagrantes de ordem financeira e no próprio atendimento da pretensão contratual da administração.
Ademais, esse ônus para que os licitantes estimem seus custos para apresentar suas propostas, antes da licitação, pode ser um fator importante para que licitantes deixem de apresentar propostas com preços inexequíveis, evitando posteriores frustrações contratuais, tão prejudiciais à Administração Pública.
[1] Advogado da União. Doutorando em Direito pela UFPE. Mestre em Direito Econômico pela UFPB. Membro da Câmara Nacional de Licitações e Contratos da Consultoria-Geral da União. Autor de diversas obras jurídicas, destacando: Leis de Licitações Públicas comentadas (13ª ed. Jus Podivm); Direito Administrativo (coautor. 12ª ed. Jus Podivm); Licitações e Contratos nas Empresas Estatais (coautor. 2ª edição. Jus Podivm) e Improbidade Administrativa (coautor. 4ª ed. Jus Podivm). Análise Econômica das licitações e contratos (coautor. Fórum).
Professor, entende-se que o objetivo do sigilo do orçamento do certame, vem contribuir para a eficiência das licitações e das contratações públicas, uma vez que incertezas geradas pelo fato de não se expor o valor do orçamento, simultaneamente com a falta de acesso em relação às propostas dos outros licitantes concorrentes do certame, o que tende – veja que estou ponderando – a gerar propostas mais vantajosas (é preciso evidenciar que propostas mais vantajosas, nem sempre é a de menor valor, e sim aquela que atende com dois requisitos em conjunto: (I) o produto e/ou serviços real que se atende à necessidade a administração pública e (II) melhor valor para a administração pública, bem como promover possíveis conluios, potencialmente ainda insistente em existir por alguns (???) com a exposição do orçado/estimado.
O que me intriga, e sempre intrigou, é o que vem no decurso do ato convocatório, mas pontualmente em algumas exigências na qualificação econômico financeira, quando em alguns editais vem exigindo índices de alguns tópicos do balanço patrimonial com
percentuais compatíveis e/ou associando com o valor estimado.
Veja bem, se o valor do orçamento/estimado do certame é sigiloso, como que os licitantes podem verificar se atendem aquele determinado tópico, bem como se estão aptos a participar daquele certame?
Enfim, situações na prática que vivenciamos, que vão além das teorias legisladas e como sempre externo: prática + teoria precisam andar em comunhão para tentar mitigar incoerências e inconformidades dessa natureza.
Nesse contexto, especificamente, quando o orçamento sigiloso for verificado como a melhor opção para o processo de aquisição dos bens/produtos e/ou serviços, não se deve vincular e/ou limitar a nenhum documento econômico financeiro, pelo simples fato de
não haver matéria suficiente para comparativos práticos.
Ainda exercem papeis de muito protagonismo os grandes juristas “CTRL+C e CTRL + V” (Como diz nosso grande Mestre Professor Marcos Nóbrega.