O art. 64 da Lei nº 14.133/2021 e a juntada posterior de documento “novo” nas licitações eletrônicas: a necessária evolução dos editais

5 de abril de 2023

Victor Amorim
Coordenador do ONLL

1. Premissas gerais: o princípio constitucional da eficiência e seus corolários

O princípio da eficiência, expressamente previsto no caput do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), preconiza a otimização da ação estatal, no sentido de “fazer mais com menos”, ou seja, de conferir excelência nos resultados.

Como bem alerta Ávila, “eficiente é a atuação administrativa que promove de forma satisfatória os fins em termos quantitativos, qualitativos e probabilísticos”, de modo que a eficiência “exige mais do que mera adequação. Ela exige satisfatoriedade na promoção dos fins atribuídos à Administração[1].

De acordo com Aragão, “a eficiência não pode ser entendida apenas como maximização do lucro, mas sim como um melhor exercício das missões de interesse coletivo que incumbe[m] ao Estado, que deve obter a maior realização prática possível das finalidades do ordenamento jurídico, com os menores ônus possíveis, tanto para o próprio Estado, especialmente de índole financeira, como para as liberdades dos cidadãos[2].

Derivada de tal concepção, a ideia de formalismo moderado busca superar o dogma da necessidade de interpretação rigorosa e literal de preceitos legais que pode implicar um formalismo exagerado e inútil, prejudicando o andamento dos certames[3]. Ou seja, confere-se ao procedimento licitatório um caráter instrumental (licitação como meio, e não como um fim em si mesmo). Tal é o entendimento do STF[4] e do STJ[5].

A compreensão do formalismo moderado já é bastante arraigada na jurisprudência do TCU, conforme se extrai dos trechos de julgados como os Acórdãos nº 2.302/2012 e nº 357/2015, ambos do Plenário:

Rigor formal no exame das propostas dos licitantes não pode ser exagerado ou absoluto, sob pena de desclassificação de propostas mais vantajosas, devendo as simples omissões ou irregularidades na documentação ou na proposta, desde que irrelevantes e não causem prejuízos à Administração ou aos concorrentes, serem sanadas mediante diligências (Acórdão nº 2.302/2012-Plenário)

No curso de procedimentos licitatórios, a Administração Pública deve pautar-se pelo princípio do formalismo moderado, que prescreve a adoção de formas simples e suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados, promovendo, assim, a prevalência do conteúdo sobre o formalismo extremo, respeitadas, ainda, as praxes essenciais à proteção das prerrogativas dos administrados (Acórdão nº 357/2015-Plenário).

O atual estágio evolutivo da hermenêutica jurídica não se coaduna com uma postura extremamente formalista do administrador público, devendo ele pautar-se por uma noção mais complexa e sistêmica do Direito, ou seja, por uma noção de juridicidade, de modo a superar a concepção de legalidade estrita[6].

Nesse sentido, merece destaque o disposto no §1º do art. 64 da Lei nº 14.133/2021, a chamada “Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos” (NLL):

Art. 64[…]

§ 1º Na análise dos documentos de habilitação, a comissão de licitação poderá sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins de habilitação e classificação.

Em semelhante toada, a NLL preconiza como diretriz o saneamento e a superação de falhas de natureza formal:

Art. 169 […]

§ 3º Os integrantes das linhas de defesa a que se referem os incisos I, II e III do caput deste artigo observarão o seguinte:

I – quando constatarem simples impropriedade formal, adotarão medidas para o seu saneamento e para a mitigação de riscos de sua nova ocorrência, preferencialmente com o aperfeiçoamento dos controles preventivos e com a capacitação dos agentes públicos responsáveis;

Ou seja, somente se imporá a anulação do ato quando constatada e justificada a impossibilidade de seu saneamento.

Considerando ser a busca da proposta mais vantajosa o objetivo maior da licitação, há que se superar e afastar exigências meramente formais e burocráticas, de modo que a eventual exclusão de um participante do certame somente se justifica diante do descumprimento de uma regra substancial para a disputa.

Consoante célebre analogia utilizada pelo administrativista francês Francis-Paul Benoit[7], a licitação não pode ser tratada como “gincana”, pela qual se premia o melhor cumpridor do edital. As ações administrativas e a interpretação empreendidas pelos agentes públicos devem ser guiadas pela busca da eficiência, economicidade e “vantajosidade” para a Administração, sem prejuízo da isonomia e segurança jurídica.

2. Realização de diligências para saneamento de falhas das propostas e da documentação de habilitação

Diante da existência de vícios e falhas nos atos praticados ao longo do processo licitatório, seja pela Administração, seja pelos próprios licitantes, na esteira do que consta do art. 55 da Lei nº 9.784/1999[8] e do enunciado da Súmula nº 473 do STF[9], a Lei nº 14.133/2021 evidencia a diretriz de busca pelo saneamento, impondo-se a anulação apenas diante da impossibilidade da convalidação, ou seja, quando se está diante de vício insanável.

Tal diretriz é consubstanciada no art. 169, § 3º, I, ao se estabelecer o dever de os agentes públicos em geral, “quando constatarem simples impropriedade formal”, adotarem “medidas para o seu saneamento”.

Em semelhante sentido, o inciso III do art. 12 da NLL dispõe que, no processo licitatório, “o desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não importará seu afastamento da licitação ou a invalidação do processo”. E, especificamente quanto à habilitação, o § 1º do art. 64 assegura a prerrogativa da Administração em “sanar erros ou falhas que não alterem a substância dos documentos e sua validade jurídica, mediante despacho fundamentado registrado e acessível a todos, atribuindo-lhes eficácia para fins de habilitação e classificação”.

Não apenas nos casos de omissão ou obscuridade nos documentos de habilitação e/ou da proposta, mas, havendo alguma falha formal, há, não uma faculdade, mas um poder-dever do agente de contratação de realizar a diligência, superando-se o dogma do formalismo excessivo e prestigiando a razoabilidade e a busca da eficiência, a ampliação da competitividade e a proposta mais vantajosa para a Administração.

3. Momento de apresentação da documentação de habilitação na Lei nº 14.133/2021

Consoante o art. 63, II, da Lei nº 14.133/2021, “será exigida a apresentação dos documentos de habilitação apenas pelo licitante vencedor, exceto quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento”. Ou seja, salvo quando adotada a inversão de fases de acordo com o previsto no § 1º do art. 17, em regra, deverá ser “exigida” a apresentação da documentação de habilitação apenas após a conclusão da fase de julgamento das propostas, já com a indicação do licitante provisoriamente vencedor.

Em especial nas licitações eletrônicas, o comando do inciso II do art. 63 da NLL demanda aprofundamento regulamentar (em ato normativo secundário ou, em sua ausência, no edital) a fim de ser especificado o procedimento operacional detalhado quanto à “apresentação dos documentos de habilitação”, notadamente quanto ao prazo e à forma de envio/anexação dos arquivos na plataforma de realização do certame, sem prejuízo da possibilidade de adoção da documentação já existente em cadastro unificado de fornecedores de que trata o art. 87 da Lei nº 14.133/2021.

No caso de inversão de fases, observado o que dispõe o inciso III do art. 63 da NLL, a documentação de habilitação deverá ser apresentada por todos os concorrentes na oportunidade da abertura do certame.

Especificamente em relação à documentação de “regularidade fiscal”, se houver a inversão de fases, tais documentos não poderão ser exigidos quando da apresentação da habilitação pelo licitante, mas apenas no “momento posterior ao julgamento das propostas”.

3.1.  Implicações do art. 63, II, da Lei nº 14.133/2021 nas licitações eletrônicas

Diante da previsão do inciso II do art. 63 da Lei nº 14.133/2021, reputamos que seria incompatível com a sistemática da NLL uma previsão como a contida no caput do art. 26 do Decreto Federal nº 10.024/2019, em especial no ponto em que exige a prévia anexação da documentação de habilitação ao tempo do cadastramento da proposta no sistema em que será realizado o pregão eletrônico.

Nesse sentido, o regulamento federal editado sob a égide da NLL – a Instrução Normativa SEGES/ME nº 73/2022 –, no §5º do art. 39, estabelece que “os documentos deverão ser apresentados em formato digital, via sistema, no prazo definido no edital de licitação, após solicitação do agente de contratação ou da comissão de contratação, quando o substituir, no sistema eletrônico, no prazo de, no mínimo, duas horas, prorrogável por igual período“.

Trata-se, em verdade, de um retorno à lógica então observada nos certames eletrônicos realizados com base no Decreto Federal nº 5.450/2005, contexto no qual o envio da documentação (via sistema) pelo licitante provisoriamente vencedor dar-se-ia no curso da própria licitação.

Por mais que se diga que a regra da exigência da habilitação então adotada no Decreto Federal nº 5.450/2005 e consubstanciada no inciso II do art. 63 da NLL têm o condão de privilegiar a proposta mais vantajosa, o fato é que, assim como no caput do art. 26 do Decreto Federal nº 10.024/2019, ambas as sistemáticas se sustentam em uma lógica de preclusão temporal quanto ao momento da apresentação da documentação.

No Decreto nº 5.450/2005, a documentação teria que ser enviada no tempo previsto no edital a contar da convocação feita pelo Pregoeiro. Ou seja, extrapolado o tempo, operada estava a preclusão. Ocorre que a sistemática anterior era ainda mais fluída e nebulosa para o Pregoeiro, afinal basta verificar as constantes discussões e intercorrências que haviam em relação a uma série de aspectos: momento da convocação e respeito ao horário comercial; fluidez de diretrizes para concessão de prorrogação do prazo de envio; (im)possibilidade de envio de vários anexos em momentos distintos; suposto “crédito” de tempo do licitante que envia a documentação antes de expirar o prazo; alegações de razoabilidade de contemplação da documentação enviada após minutos do transcurso do prazo; e outros…

Tal será o cenário a ser enfrentado pelos agentes de contratação nos certames eletrônicos fundados na NLL. Por isso, é fundamental aprender com o passado, já que a sistemática do art. 63, II, da Lei nº 14.133/2021 e do Decreto nº 5.450/2005 se mostra bastante próxima. Para tanto, no âmbito federal, basta verificar o teor dos §§2º e 3º do art. 29 e dos §§1º e 5º do art. 39 da Instrução Normativa SEGES/ME nº 73/2022.

Afinal, como se verá no tópico a seguir, o caminho para uma solução mais “segura” começaria pelo edital e por não esquecermos que, por mais que se busque enfatizar o caráter instrumental da licitação, até mesmo sob o prisma constitucional (art. 37, XXI, CRFB), as “regras do jogo” devem ser observadas, já que se está diante um “processo de licitação pública” [grifou-se].

4. Realização de diligências para complementação e esclarecimentos acerca do conteúdo da documentação de habilitação: a problemática da juntada posterior de documentação

Objetivando a melhor delimitação acerca dos pressupostos e dos limites para a realização de diligências se comparado com a redação do § 3º do art. 43 da Lei nº 8.666/1993, a NLL, no caput do art. 64, estabelece a possibilidade de substituição e apresentação de novos documentos de habilitação desde que necessário para:

I – complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame;

II – atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas.

Caso a diligência promovida pelo agente de contratação resulte na produção ou encaminhamento de um documento que materialize uma situação já existente ao tempo da abertura da licitação, consoante a dicção do inciso I do art. 64 da NLL, seria plenamente admissível a sua juntada em momento processual posterior àquele indicado para a apresentação da documentação de habilitação (art. 63, II). A contrario sensu, seria vedada a juntada de documento que comprove a existência de uma situação ou de um fato cuja conclusão ou consumação se deu de forma superveniente à data de abertura do certame.

Cumpre salientar que a redação do art. 64 da NLL positiva a compreensão de instrumentalidade da licitação já consagrada na jurisprudência dos Tribunais Superiores e das Cortes de Contas no sentido de reconhecer que o procedimento licitatório não deve ser pautado num formalismo exacerbado que desvirtue sua finalidade e o equipare a uma “gincana” na qual interessa apenas o cumprimento da etapa definida, indiferentemente de sua razão de ser.

Em leading case de destaque, o TCU, no Acórdão nº 1.758/2003-Plenário, entendeu ser regular, no âmbito de procedimento licitatório, a conduta da autoridade que procedeu à juntada posterior de comprovação de regularidade fiscal da licitante por meio de diligência promovida com base no art. 43, § 3º, da Lei nº 8.666/1993. Segundo a Corte de Contas, tal juntada não configuraria irregularidade, mas praticidade, celeridade e otimização do certame. No Acórdão nº 2.627/2013-Plenário, por sua vez, a Corte de Contas federal concluiu ser indevida a inabilitação de licitante em razão da apresentação de atestado de capacidade técnica com data posterior à da abertura do certame, uma vez que tal documento tem natureza declaratória – e não constitutiva – de uma condição preexistente. Julgou-se equivocada a decisão do pregoeiro pela inabilitação de licitante em razão de “apresentação de atestado de capacidade técnica com data posterior à da licitação”. Em relação a esse ponto, o relator (Ministro Valmir Campelo) registrou que “o atestado de capacidade técnica tem natureza declaratória – e não constitutiva – de uma condição preexistente. É dizer que a data do atestado não possuiu qualquer interferência na certificação propriamente dita, não sendo razoável sua recusa pelo simples fato de ter sido datado em momento posterior à data da abertura do certame. O que importa, em última instância, é a entrega tempestiva da documentação exigida pelo edital, o que, de acordo com o informado, ocorreu”.

Trata-se, assim, de um juízo de verdade real em detrimento do pensamento dogmático segundo o qual o que importa é se o licitante apresentou os documentos adequadamente, subtraindo-se o fato de esse mesmo licitante reunir ou não as condições de contratar com a Administração ao tempo da realização do certame.

Quanto ao tema, cumpre ainda registrar entendimento do TCU acerca do inciso I do art. 64 da NLL manifestado no julgamento do Acórdão nº 1.211/2021-Plenário no sentido de que a “vedação à inclusão de novo documento, prevista no art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993 e no art. 64 da Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021), não alcança documento ausente, comprobatório de condição atendida pelo licitante quando apresentou sua proposta, que não foi juntado com os demais comprovantes de habilitação e/ou da proposta, por equívoco ou falha, o qual deverá ser solicitado e avaliado pelo pregoeiro”.

Ainda que a menção ao dispositivo da Lei nº 14.133/2021 tenha se dado em caráter obter dictum no voto do relator[10], Ministro Walton Alencar, há que se reconhecer, conforme expressa dicção do caput e do inciso I do art. 64 da NLL, que a juntada “posterior” de documento, no contexto de averiguação das condições de habilitação do licitante, somente seria possível “em sede de diligência”, o que pressupõe um comando decisório por parte do agente de contratação decorrente de uma avaliação antecedente da documentação habilitatória então apresentada. Ou seja, será o agente de contratação quem avaliará os pressupostos concretos de incidência da possibilidade prevista no art. 64, I, da NLL, de modo que o “documento novo” será produzido ou apresentado como resultado de uma diligência reputada como cabível e necessária pela Administração.

A se observar os recentes julgados do Tribunal, tem-se que tal entendimento encontra-se em vias de consolidação, dada a expressa menção ao Acórdão nº 1.211/2021-P, como referência jurisprudencial, nos Acórdãos nº 253/2023, nº 2.673/2021, nº 2.568/2021 e nº 2528/2021, todos do Plenário[11].

Não se desconhece serem os agentes de contratação os principais afetados com o suposto dilema posto entre “seguir o edital” e “privilegiar a proposta mais vantajosa”, como se fossem aspectos antagônicos. Não o são! Ainda que se diga que a licitação é um meio, não se pode afastar a premissa de que se trata de um “procedimento”, cujas regras básicas, lastreadas em uma lógica de preclusão, tem por finalidade estabelecer, em homenagem à própria ideia de isonomia, uma linha elementar de condução da fase de seleção dos fornecedores, ou seja, a “regra do jogo”. Assim, se a licitante não atende às condições básicas e elementares de habilitação (e o momento de apresentação da documentação é uma questão elementar no processo!), sua oferta, por mais que represente o menor valor nominal, jamais será a “mais vantajosa para a Administração”, posto que inviável a contratação de fornecedor que não atendeu às regras substanciais do edital.

Em detrimento de uma clara regra incidente sobre o tema, compreendemos que valer-se de uma argumentação principiológica para mudar a “regra do jogo” no meio do jogo não nos parece a saída mais condizente com os princípios da Administração Pública, ainda que pareça saltar os olhos os famigerados princípios da vantajosidade e do formalismo moderado. Afinal, se a licitação é um negócio, que tipo de imagem se está transmitindo ao mercado se, sequer, observamos as regras que a própria Administração estipula em seus normativos e editais?

Para tanto, insistimos na necessidade de construção e manutenção de um ambiente negocial seguro, calcado em premissas elementares: segurança jurídica, transparência e respeito às condições de seleção preestabelecidas. E a segurança para o agente de contratação não está na ilusão de seguir uma pressuposta regra de preferência extraída da jurisprudência do TCU no sentido de buscar a proposta mais vantajosa a todo custo… A segurança está na clareza e objetividade do tratamento da matéria em seus editais.

Com o objetivo de se conferir a devida segurança jurídica na aplicação do art. 64, I, da Lei nº 14.133/2021 nas licitações eletrônicas, é salutar que haja a definição precisa em regulamento (ou no edital) acerca do prazo e da forma de envio/anexação dos arquivos na plataforma de realização do certame, porquanto, deve haver um marco de preclusão procedimental claro quanto à oportunidade de apresentação da documentação de habilitação por parte do licitante vencedor, abrindo-se a possibilidade de envio de documentos supervenientes apenas em “sede de diligência” determinada pelo agente de contratação. Daí a importância de tal agente motivar não apenas a decisão de admitir a realização da diligência, mas também quando compreender ser a diligência impertinente e/ou desnecessária.

Nesse sentido, é salutar trazer à luz o teor do Enunciado nº 10 do Conselho da Justiça Federal[12], aprovado no 1º Simpósio de Licitações e Contratos da Justiça Federal, realizado em 2022:

A juntada posterior de documento referente à comprovação dos requisitos de habilitação de que trata o inciso I do art. 64 da Lei n. 14.133/2021 contempla somente os documentos necessários ao esclarecimento, à retificação e/ou complementação da documentação efetivamente apresentada/enviada pelo licitante provisoriamente vencedor, nos termos do art. 63, inciso II, da NLLCA, em conformidade com o marco temporal preclusivo previsto no regulamento e/ou no edital. [grifou-se]

Considerando que, na própria dicção do inciso XXI do art. 37 da CRFB, a licitação é um “processo” e que o regramento atinente à comprovação dos requisitos de habilitação constitui um dos núcleos essenciais do procedimento apto a assegurar a “igualdade de condições entre todos os concorrentes”, busca-se o estabelecimento – de preferência no edital – de um marco preclusivo objetivo para a apresentação dos documentos habilitatórias, afastando, assim, a compreensão do inciso I do art. 64 da NLL como uma porta sempre aberta para apresentação de documentos a qualquer tempo, sob a genérica alegação de “esquecimento”, “equívoco” ou “falha” do licitante, termos assaz abstratos e de difícil verificação objetiva diante da dinâmica característica dos procedimentos licitatórios[13].


[1] ÁVILA, Humberto. Moralidade, razoabilidade e eficiência na atividade administrativa. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, ano 1, n. 1, p. 105-133, abr./jun. 2003, p. 132.

[2] ARAGÃO, Alexandre Santos de. O princípio da eficiência. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 237, p. 1-6, jul./set. 2004. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/44361/44784>. Acesso em: 29 jan. 2020.

[3] Cf. FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 36.

[4] De acordo com trecho do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, relator do RMS nº 23.714/DF (DJ 13/10/2000, p. 21): “Se a irregularidade praticada pela licitante vencedora, que não atendeu a formalidade prevista no edital licitatório, não lhe trouxe vantagem nem implicou prejuízo para os demais participantes, bem como se o vício apontado não interferiu no julgamento objetivo da proposta, não se vislumbrando ofensa aos demais princípios exigíveis na atuação da Administração Pública, correta é a adjudicação do objeto da licitação à licitante que ofereceu a proposta mais vantajosa, em prestígio do interesse público, escopo da atividade administrativa”.

[5] Conforme ementa do RMS nº 12.210/SP (rel. Min. José Delgado, DJ 18/03/2002, p. 147):“Não se pode perder de vista que a licitação é instrumento posto à disposição da Administração Pública para a seleção da proposta mais vantajosa. Portanto, selecionada esta e observadas as fases do procedimento, prescinde-se do puro e simples formalismo, invocado aqui para favorecer interesse particular, contrário à vocação pública que deve guiar a atividade do administrador”.

[6] AMORIM, Victor Aguiar Jardim de. Princípio da juridicidade x princípio da legalidade estrita nas licitações públicas. Revista Jus Navigandi, Teresina, v. 14, n. 2366, dez. 2009. Não paginado. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/14065>.

[7] apud REIS, Luciano Elias. Julgamento dos atestados de capacidade técnica e o formalismo moderado. Coluna Jurídica JML, [S.l.], [2015?]. Disponível em: <https://www.jmleventos.com.br/pagina.php?area=coluna-juridica&acao=download&dp_id=106>.

[8]      “Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.”

[9]      “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque dêles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”

[10]     Destaca-se o seguinte trecho do voto do Ministro Walton Alencar no Acórdão nº 1.211/2021-Plenário: “Cito ainda o disposto no art. 64 da nova Lei de Licitações (Lei 14.133 de 1º de abril de 2021), que revogará a Lei 8.666/1993 após decorridos 2 anos da sua publicação oficial […] O dispositivo reproduz a vedação à inclusão de novos documentos, prevista no art. 43, § 3º, da Lei 8.666/1993; porém, deixa salvaguarda a possibilidade de diligência para a complementação de informações necessárias à apuração de fatos existentes à época da abertura do certame, o que se alinha com a interpretação de que é possível e necessária a requisição de documentos para sanear os comprovantes de habilitação ou da proposta, atestando condição pré-existente à abertura da sessão pública do certame. Assim, nos termos dos dispositivos citados, inclusive do art. 64 da Lei 14.133/2021, entendo não haver vedação ao envio de documento que não altere ou modifique aquele anteriormente encaminhado. Por exemplo, se não foram apresentados atestados suficientes para demonstrar a habilitação técnica no certame, talvez em razão de conclusão equivocada do licitante de que os documentos encaminhados já seriam suficientes, poderia ser juntado, após essa verificação no julgamento da proposta, novos atestados de forma a complementar aqueles já enviados, desde que já existentes à época da entrega dos documentos de habilitação”.

[11] Entretanto, é mister salientar que os casos concretos de alguns julgados que fazem remissão ao Acórdão nº 1.211/2021-P não envolvem, substancialmente, a juntada posterior de documento “novo”. Como exemplo, o contexto fático do famigerado Acórdão nº 2.443/2021-Plenário corresponde a um típico caso de “documento complementar” e não de “documento novo” propriamente dito. Tratava o caso de pregão eletrônico regido pelo Decreto Federal nº 10.024/2019, no qual a autoridade superior, amparada em parecer jurídico, ao julgar procedente recurso administrativo, determinou a inabilitação de empresa que, após a fase de julgamento das propostas e em atendimento à diligência solicitada pelo Pregoeiro, juntou CAT (com data posterior à data de abertura do certame), contemplando a atuação de Engenheiro Químico nos serviços prestados em contrato objeto de atestado apresentado originalmente com a proposta de preços (que, inclusive, mencionava o referido Engenheiro Químico). Ou seja, não houve a juntada posterior de um “novo” atestado em termos substanciais, mas apenas de um atestado posteriormente emitido para contemplar, formalmente, um fato preexistente relativo à atuação do responsável técnico (Engenheiro Químico) na prestação dos serviços que constituíram objeto do atestado. No mesmo sentido, é possível mencionar outros julgados que não correspondem à juntada posterior de documento “novo” de habilitação, mas sim de complementação de documentos já apresentados no momento procedimental devido (v.g., Acórdão nº 7.803/2022 – 2ª Câmara) ou, ainda, de complementação e esclarecimento de propostas (v.g., Acórdão nº 966/2022-Plenário).

[12] Disponível em: <https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/licita-contat-jf>.

[13] Para tanto, a título de sugestão, cumpre apresentar a redação da minuta-padrão de edital de pregão eletrônico adotada no Senado Federal, devidamente atualizada em conformidade com a Lei nº 14.133/2021 pela Comissão de Minutas-Padrão de Editais e Contratos, na forma do Ato da Comissão Diretora nº 16/2008 e do Ato do Primeiro-Secretário nº 49/2009:

“12.6 – Encerrado o prazo para envio da documentação de que trata o item 12.4, poderá ser admitida, mediante decisão fundamentada do Pregoeiro, a apresentação de novos documentos de habilitação para:

a) a aferição das condições de habilitação da licitante decorrentes de fatos existentes à época da abertura do certame;

b) atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas;

c) a apresentação de documentos de cunho declaratório emitidos unilateralmente pela licitante.

12.6.1 – A apresentação de documentos complementares ou substitutivos será realizada nos termos do item 12.7 e, findo o prazo assinalado sem o envio da nova documentação, restará preclusa essa oportunidade conferida ao licitante, implicando sua inabilitação.”

Conforme se observa dos dispositivos editalícios transcritos, partindo dos pressupostos que embasam o entendimento do TCU no Acórdão nº 1.211/2021-Plenário, a “segunda chance” conferida ao licitante no item 12.6 da minuta-padrão, busca configurar uma oportunidade explícita para a apresentação de novos documentos adequados aos limites do art. 64 da NLL. Contudo, na hipótese de ausência de encaminhamento da “nova” documentação mesmo após a explícita oportunidade conferida pelo edital, restará afastado o “esquecimento”, o “equívoco” ou a “falha” do licitante, como aduz a Corte de Contas.

*Texto extraído do Observatório da Nova Lei de Licitações – ONLL, disponível em: <https://www.novaleilicitacao.com.br/2023/04/04/o-art-64-da-lei-no-14-133-2021-e-a-juntada-posterior-de-documento-novo-nas-licitacoes-eletronicas-a-necessaria-evolucao-dos-editais/>

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