Hipóteses de não submissão ao Regime Licitatório e Contratual da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos

21 de dezembro de 2023

Por Ronny Charles[1]

 

O artigo 3º da Lei nº 14.133/2021, em contraponto ao seu artigo 2º, indica contratações que não se subordinam ao regime da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, apontando, entre eles: contratos que tenham por objeto operação de crédito, interno ou externo, e gestão de dívida pública, incluídas as contratações de agente financeiro e a concessão de garantia relacionadas a esses contratos; contratações sujeitas a normas previstas em legislação própria.

Em relação aos contratos que tenham por objeto operação de crédito e gestão da dívida pública, a dinamicidade deste mercado e, por conseguinte, dessas pretensões contratuais, tornam incompatível a aplicação do regime legal licitatório e contratual.

Em relação às contratações sujeitas a normas previstas em legislação própria, a especialidade desta legislação afastará a aplicação do regime jurídico licitatório e contratual.

De qualquer forma, importante compreender que não se trata de hipóteses de contratação direta (dispensa ou inexigibilidade), mas sim de hipóteses de não submissão ao regime licitatório e contratual da Lei nº 14.133/2021. Nessa linha, embora essas contratações devam respeito aos princípios ínsitos ao regime jurídico administrativo, não se submeterão ao procedimento licitatório nem ao modelo contratual definido pelo legislador.

As consequências são várias. Embora não precise licitar para escolher o parceiro da contratação, deve o gestor público respeitar princípios como finalidade pública, moralidade, impessoalidade quando da definição do parceiro. Outrossim, há possibilidade de firmar contratos mais flexíveis, deixando de aplicar o modelo contratual da Lei, rígido e formalista, responsável por diversos custos transacionais desnecessários.

Em outras palavras, a implicação prática é que a seleção do fornecedor/parceiro apto ao atendimento dessas demandas e o formato contratual a ser adotado poderá adotar modelagem diferente da estabelecida pelo regime desta Lei, embora deva respeitar os princípios ínsitos à atividade administrativa.

Outrossim, respeitada a incidência do regime jurídico licitatório e contratual para as pretensões contratuais indicadas pelo artigo 2º, entendemos que o elenco do artigo 3º deve ser compreendido como exemplificativo. Tal compreensão é necessária para que possamos aplicar essa flexibilidade na aplicação das regras previstas na Lei nº 14.133/2021, mesmo que parcialmente, a contratos com formatação específica no mercado, não plenamente aderentes ao regime da Nova Lei de Licitações e Contratos, como contratos de seguro ou de locação sob medida (built to suit).

Essa compreensão pode ser justificada por diversos elementos de intepretação.

Primeiramente, gramatical: inexiste no texto legal uma expressa restrição às hipóteses descritas nos incisos I e II.

Em segundo, lógico, pois se adotássemos caráter exaustivo aos elencos dos artigos 2º e 3º, poderíamos identificar pretensões contratuais que, não enquadrando-se claramente neles, ficariam paradoxalmente fora das hipóteses em que o regime legal é aplicável e aquelas que ele não é aplicável.

Ademais, bom lembrar que, quando pertinente, nossa jurisprudência corretamente tem admitido a não submissão ao regime jurídico licitatório para pretensões contratuais específicas, mesmo sem expressa previsão legal definindo-a.

Nessa linha, o Tribunal de Contas da União, antes da aprovação da Lei nº 13.303/2016, admitia que as estatais não se submetessem ao regime da Lei nº 8.666/1993, com o afastamento da aplicação do regime tradicional, quando a estatal, exploradora de atividade econômica, atuasse em sua atividade finalística e a submissão à legislação licitatória se constituísse em “óbice intransponível à sua atividade negocial”[2].

Outrossim, o Supremo Tribunal Federal, ainda sob a égide da Lei nº 8.666/1993, entendeu que o patrocínio não se caracterizava como contratação administrativa sujeita à licitação[3], entendimento reiterado em acórdão relatado pelo Ministro Luiz Fux, que descaracterizou o patrocínio como contratação administrativa sujeita à licitação[4].

Em harmonia com tal compreensão, entendemos que o rol do artigo 3º deve ser considerado exemplificativo, o que permite uma melhor acomodação jurídica de pretensões contratuais específicas, para as quais a aplicação estrita do regime jurídico licitatório não se apresente compatível.

De qualquer forma, embora não se submetam estritamente às regras licitatórias, tais contratações devem respeitar os pertinentes princípios que conformam a atividade administrativa, como a impessoalidade, a moralidade e a finalidade pública.


[1] Advogado da União.  Doutorando em Direito pela UFPE.  Mestre em Direito Econômico pela UFPB. Membro da Câmara Nacional de Licitações e Contratos da Consultoria-Geral da União. Autor de diversas obras jurídicas, destacando: Leis de Licitações Públicas comentadas (14ª ed. Jus Podivm); Direito Administrativo (coautor. 13ª ed. Jus Podivm); Licitações e Contratos nas Empresas Estatais (coautor. 3ª edição. Jus Podivm) e Improbidade Administrativa (coautor. 4ª ed. Jus Podivm). Análise Econômica das licitações e contratos (coautor. Fórum).

[2].       TCU. Acórdão nº 1.390/2004 – Plenário. Rel. Min. Marcos Bemquerer.

[3].       STF. RE 574636/SP, Primeira Turma. Julgamento: 16/08/2011.

[4].       STF. RE 953113. Julgamento: 11/12/2017.

 

* Tópico baseado em trecho de nosso livro “Leis de Licitações Públicas Comentadas (TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 14ª. ed. São Paulo: JusPodivm, 2023).

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