CRISE NO RIO GRANDE DO SUL: a dispensa emergencial como ferramenta necessária ao atendimento eficiente do interesse público e os dilemas envolvidos

14 de maio de 2024

Ronny Charles L. de Torres[1]

Diante das recentes calamidades causadas pelas intensas chuvas no Rio Grande do Sul em 2024, se é bem verdade que a atuação da sociedade civil e de milhares de voluntários de todo o país tem sido fundamental para o enfrentamento desse grande desafio, o Poder Público não poderá se furtar a atuar conjuntamente, auxiliando as milhares de pessoas prejudicadas.

Para isso, serão necessárias ações administrativas para recuperar estruturas, adquirir alimentos, bens diversos, contratar prestadores de serviços, locar espaços, entre diversas outras contratações que serão exigidas nos próximos dias, semanas e meses. Para o atendimento dessas demandas, em muitos casos, será imprescindível que os órgãos públicos recorram à dispensa emergencial como forma de contratação direta para endereçar as necessidades urgentes oriundas do desastre.

A legislação brasileira permite tal flexibilidade em situações de emergência ou calamidade pública, onde a urgência em responder aos eventos é crítica. Esta autorização legal é um mecanismo vital para acelerar a aquisição de bens e serviços essenciais para a mitigação dos impactos devastadores da catástrofe.

Esta flexibilidade legal não é apenas uma opção, mas um imperativo para possibilitar uma resposta rápida e eficaz, que pode salvar vidas e restaurar a normalidade o mais breve possível.

No entanto, notadamente nos dias de hoje, requer um certo exercício de coragem e determinação por parte dos agentes públicos envolvidos.

De qualquer forma, de maneira a honrar as competências que lhe foram investidas, é essencial que estes profissionais atuem com destemor, empregando essa ferramenta legal sem se deixar paralisar pelo medo ou pela autopreservação, mas ao mesmo tempo com todo o cuidado para praticar atos de forma regular e proba.

A prioridade absoluta deve ser a proteção da vida, segurança e bem-estar da população afetada, o que justifica medidas extraordinárias em tempos de crise, mas não atitudes afrontosas à moralidade administrativa.

É crucial que as ações tomadas sob a égide da dispensa emergencial sejam pautadas pela moralidade e pela transparência. Os gestores devem assegurar que, mesmo sob circunstâncias de urgência, os processos sejam conduzidos de maneira ética e justa, cumprindo ao menos minimamente seus pressupostos justificadores. Isso envolve garantir o uso responsável dos recursos públicos, escolhendo fornecedores qualificados e capazes de atender de forma eficiente e eficaz às demandas específicas impostas pela situação emergencial.

A superação de gargalos burocráticos que comumente retardam as contratações públicas também é uma necessidade premente. Em situações de desastre, as exigências procedimentais tradicionais precisam ser revistas e adaptadas para permitir a agilidade necessária nas contratações, sem, no entanto, comprometer a integridade, qualidade ou o custo-efetividade dos contratos firmados.

Simplificar procedimentos pode ser fundamental para acelerar as respostas administrativas sem abrir mão da integridade. Para isso, contudo, necessário que as autoridades políticas chamem para a si a responsabilidade de avocar soluções normativas que tornem seguros os procedimentos! Modelos que favoreçam a transparência e uso de sistemas eletrônicos ágeis podem mitigar, ao menos transitoriamente, as exigências de ritos formais, de conteúdo exageradamente burocrático e impertinente para o momento.

A interação entre os diversos níveis de governo e a colaboração com organizações não governamentais e o setor privado podem ser catalisadores para uma resposta mais abrangente e eficaz. A partilha de recursos, conhecimentos e capacidades pode fortalecer as ações de resposta e recuperação, criando sinergias essenciais em tempos de crise.

Estatais e agências governamentais devem, portanto, agir com rapidez, responsabilidade e integridade, garantindo que todas as ações estejam alinhadas com os interesses públicos e o bem-estar comum. A eficiência, neste contexto, não é apenas desejável, mas uma obrigação governamental, sob pena de responsabilização por omissão ou atraso na adoção de medidas necessárias para proteger a população em risco. Sempre bom relembrar o orientação do Tribunal de Contas da União segundo a qual, quando “a situação fática exigir a dispensa por situação emergencial, mesmo considerando a ocorrência de falta de planejamento, não pode o gestor deixar de adotá-la, pois se assim proceder responderá não apenas pela falta de planejamento, mas também pelos possíveis danos que sua inércia possa causar”[2].

A utilização da dispensa emergencial deve ser entendida não apenas como uma prerrogativa legal, mas como um dever ético e funcional dos gestores públicos.

Face à devastação causada pelas fortes chuvas no Rio Grande do Sul, é crucial que as contratações sejam realizadas de maneira eficiente, urgentemente, para restaurar a normalidade e oferecer alívio imediato à população.


[1] Advogado da União. Palestrante. Professor. Doutorando em Direito do Estado. Mestre em Direito Econômico. Pós-graduado em Direito tributário. Pós-graduado em Ciências Jurídicas. Membro da Câmara Nacional de Uniformização da Consultoria Geral da União. Atuou como Consultor Jurídico Adjunto da Consultoria Jurídica da União perante o Ministério do Trabalho e Emprego. Atuou, ainda, na Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social, na Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes e na Consultoria Jurídica da União, em Pernambuco. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (15ª Edição. Ed. JusPodivm); Direito Administrativo (Coautor. 14ª Edição. Ed. Jus Podivm); Terceiro Setor: entre a liberdade e o controle (Ed. Jus Podivm) e Comentários à Lei de Improbidade administrativa (Coautor. 2ª edição. Ed. Jus Podivm).

[2] Acórdão 1022/2013-Plenário (Relatora Ministra Ana Arraes).

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