Carlos Nitão[1]
No mês de junho de 2023, participei da I Semana de Meio Ambiente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro – IFTM, na condição de palestrante, cuja temática versava sobre sobre licitações sustentáveis na Lei n. 14.133/2021.
A partir daquelas reflexões compreendemos a importância do processo de contratação pública como política para realização de valores ambientais, isto é, como mecanismo para proteção do meio do ambiente e a internalização de práticas que sejam, efetivamente, vocacionadas à promoção do desenvolvimento nacional sustentável.
É preciso promover uma mudança comportamental e cultural no âmbito da Administração Pública, uma vez que, juridicamente[2], não há qualquer dúvida quanto aos fundamentos que autorizam e legitimam as escolhas administrativas.
Não se trata de questão de natureza jurídica, mas, sobretudo, de postura institucional do Estado brasileiro quanto ao efetivo cumprimento dos seus objetivos, destacando, dentre eles, o desenvolvimento nacional, cuja compreensão é relevante para os fins de definição das diretrizes administrativas para implementação de contratações públicas sustentáveis.
Faz-se necessário compreender que a ideia de desenvolvimento não se expressa em razão do crescimento econômico, tão somente, ou seja, um país não é considerado desenvolvido apenas em virtude da expressão econômica do seu produto interno bruto – PIB[3]. Essa percepção captura o conteúdo do desenvolvimento nacional à uma concepção econômica, que gera benefícios a uma pequena parcela da população brasileira, uma vez que “desde os primórdios, até hoje em dia, (…) homem primata, capitalismo selvagem”[4].
Não nos parece adequado entender a questão do desenvolvimento nacional a partir de uma concepção restrita, econômica, por duas razões significantes, primeiro, isso representaria um enfraquecimento da agenda coletiva da sociedade brasileira, haja vista a concentração de riqueza do país; segundo, pensamos que o desenvolvimento implica aumento de riqueza e elevação da qualidade de vida, portanto, indissociável da tutela do meio ambiente em suas diversas expressões: natural, artificial, cultural, do trabalho e do patrimônio genético.
Recordo os versos do poeta pernambucano Gregório de Matos[5], para quem “O todo sem a parte não é todo, A parte sem o todo não é parte, Mas se a parte o faz todo, sendo parte, Não se diga, que é parte, sendo todo”. Ora, o desenvolvimento nacional (todo) caminha de mãos dadas e atadas com a sustentabilidade ambiental (parte), sendo essa parte indispensável à sua realização, uma vez que a defesa do meio ambiente é princípio da ordem econômica brasileira, conforme artigo 170, VI (parte).
Essa é a compreensão que precisamos ter a respeito da ideia de desenvolvimento nacional, uma vez que não se admite concebê-lo sem as lentes da tutela ambiental que, no âmbito das contratações públicas, manifesta-se por meio das licitações sustentáveis. Na Lei n. 14.133/2021 o desenvolvimento sustentável apresenta-se como princípio, portanto, valor que orienta as tomadas de decisões da Administração Pública e objetivo, isto é, aquilo que se pretende alcançar quando se realiza uma ação[6].
Ganha especial destaque a regra prevista no §1º, artigo 31, da Lei n. 14.133/2021, que estabelece que os custos indiretos poderão ser considerados para a definição do menor dispêndio, quando da utilização do critério de julgamento por menor preço ou maior desconto. A depreciação e o impacto ambiental do objeto licitado podem ser utilizados como critérios para a composição do menor dispêndio.
É preciso entender que o critério de julgamento pelo menor preço não se expressa por sua representação numérica, ou seja, o seu valor puro e simples (R $100), mas deve ser perseguido a partir da concepção de outros valores, no caso, a tutela do meio ambiente.
Um exemplo poderá nos ajudar a melhor compreender a nossa proposta. Imagine que o seu Município pretende fazer a aquisição de veículos. Para tanto, realizará o planejamento da licitação e neste momento fará pesquisa de mercado para entender as opções disponíveis, constatando que, além de veículos movidos a combustível fóssil (tradicional), há um mercado emergente de veículos elétricos. No entanto, após a pesquisa de preços verificou-se que o veículo tradicional custa R $50.000,00 e o veículo elétrico custa R $100.00,00. Sendo o critério menor preço, qual dos dois seria o selecionado?
Na concepção tradicional de menor preço como menor valor, não há dúvidas de que seria o veículo tradicional, no entanto, quais os custos ambientais daí resultantes? Essa é a concepção que está prevista no §1º, artigo 31, da Lei n. 14.133/2021. É preciso avaliar não apenas o valor em si, mas considerar o custo ambiental decorrente do objeto licitado, como por exemplo, os efeitos climáticos e a poluição em razão da emissão de gases do efeito estufa, uma vez que o consequencialismo é um elemento que precisa ser observado no processo de tomada de decisão administrativa[7].
O menor preço do objeto licitado pode ser compreendido a partir do menor preço a ser pago por veículos que atendam especificações técnicas e de qualidade definidas com o objetivo de promover a proteção do meio ambiente, gerando um resultado de contratação mais vantajoso a partir da celebração de contratações que prestigiam o desenvolvimento nacional sustentável.
Faz-se necessária uma mudança de postura do Estado brasileiro, ou seja, há uma cristalina necessidade de internalização de uma cultura administrativa vocacionada a escolhas administrativas que sejam efetivas na tutela ambiental, afastando-se da realização de processos licitatórios formais no que diz respeito à sustentabilidade ambiental, isto é, aqueles em que há previsão de regras apenas pela necessidade de cumprir o protocolo das exigências jurídicas.
É importante registrar que a promoção de práticas de compras públicas sustentáveis integra os Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 – ODS, pacto que foi assinado na cúpula das Nações Unidas em 2015, portanto, ao Brasil e para o Brasil, alerta e canta Milton Nascimento[8], “já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver”.
[1] Mestre em Direito. Pesquisa sobre licitações e contratações públicas no Brasil. Procurador Federal – AGU.
[2] Artigos 3º, II, 170, VI, 174, 225, da Constituição Federal. Artigos 4º, 11, III, 34, §1º, da Lei n. 14.133/2021.
[3] Os países são considerados desenvolvidos a partir da utilização de diversos critérios como, por exemplo, grau e distribuição de riqueza, nível de industrialização, renda per capita e índice de desenvolvimento humano.
[4] Trecho da música Homem Primata, Titãs, disco Cabeça de Dinossauro, 1986.
[5] Poema Ao braço do mesmo Menino Jesus quando apareceu.
[6] Dicionário Houaiss Uol.
[7] Artigo 20 da Lei n. 13.655/2018.
[8] Trecho da música Travessia.
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