Compras compartilhadas sem utilização do SRP
Por Ronny Charles Lopes Torres
A Lei nº 8.666/93, como já dito, usou como base o Decreto-Lei 2.300/86, motivo pelo qual seu texto não foi conectado ao já iniciado desenvolvimento das tecnologias de comunicação e pesquisa pela rede (internet). Além disso, houve a manutenção do viés burocrático do Decreto-Lei 2.300/86, cuja preocupação com o rito formal da licitação tinha como regra geral a individualização do processo, sob uma perspectiva isolacionista e engessada, em que cada ente contratante faria sua própria licitação, de modo isolado, visando a celebrar seus próprios contratos. Assim, em regra, a Lei Geral de Licitações percebe a licitação como um processo isolado, uma relação isolada entre o órgão licitante e o fornecedor.
Contudo, é necessário rever esta visão antiquada de funcionamento das contratações públicas. Entendemos que, ressalvada alguma expressa vedação normativa, nada obsta que uma licitação seja realizada por um órgão, resultando em contratações diversas, para mais de um órgão. Da mesma forma ocorre em relação aos procedimentos auxiliares.
O regime de compras compartilhada não é mais uma novidade na atividade administrativa contratual. O Governo federal vem estimulando a adoção de compras compartilhadas, divulgando, inclusive, cartilhas sobre sua adoção. Os benefícios das compras compartilhadas são vários, dentre eles: economia de esforços através da redução de processos repetitivos e desnecessários; redução de custos, em virtude da ampliação da demanda posta e potencial ganho de economia de escala, entre outros.
No Brasil, o procedimento auxiliar Sistema de Registro de Preços é comumente utilizado nas aquisições compartilhadas. Há uma larga expansão da utilização desta sistemática, justamente com essa finalidade. Embora não exista uma expressa vedação legal à utilização das contratações compartilhadas, fora do Sistema de Registro de Preços, verifica-se certa omissão da regulamentação.
A expressão “órgão participante”, por exemplo, como significativa de um órgão ou ente que adiciona sua pretensão contratual à pretensão contratual do órgão gerenciador, é algo característico da sistemática para registro de preços, sem construção similar nas modalidades estranhas a este procedimento auxiliar.
Importante registrar, contudo, que a característica do SRP, de permitir contratações compartilhadas, com expressa previsão dos chamados órgãos participantes, não consta na Lei nº 8.666/93, mas sim nos regulamentos específicos. Em princípio, não há vedação legal que impeça regulamentação estabelecendo hipóteses de licitações compartilhadas, no âmbito de suas competências, mesmo fora do SRP.
No que pese a omissão regulamentar, não nos parece absurda a hipótese de reunião de pretensões contratuais em um único certame, mesmo sem a adoção do Sistema de Registro de Preços (SRP). Caso contrário, restringir-se-ia a importante técnica de contratação compartilhada, nas pretensões tidas como incompatíveis com o SRP. Convém frisar que, embora não seja essa nossa opinião, há forte corrente que veda a utilização do Sistema de Registro de Preços para obras, mesmo despidas de complexidade, como construção de casas padronizadas e pavimentação de ruas.
Ora, se as licitações compartilhadas do SRP foram estabelecidas por Decreto, não constando na Lei nº 8.666/93, porque novos regulamentos, inclusive de outras esferas federativas, não poderiam definir outras possibilidades de licitações compartilhadas?
Alguns estados e municípios brasileiros já vêm adotando centrais de compras, em suas licitações. Mais recentemente, o Governo Federal brasileiro criou sua própria Central de Compras e Contratações, com competências ainda tímidas, objetivando as licitações de áreas que executavam atividades-meio comuns. As Centrais de Compras funcionam como um “filtro qualificado” da demanda de toda Administração para o mercado. Por meio delas, é possível gerar ganho de escala nas ações de compras públicas, além de otimizar seu planejamento, reduzir seu custo burocrático e facilitar o controle da corrupção. Do mesmo modo, a padronização dos itens demandados viabiliza uma atuação estratégica das compras públicas e imprime ganhos de qualidade.
No Brasil, infelizmente, a experiência de contratações compartilhadas ainda tem se restringido ao uso do Sistema de Registro de Preços. Está na hora dos gestores “soltarem a poita”, questionarem esta restrição, e buscar a construção de soluções eficientes para nossas licitações compartilhadas, mesmo que fora do bojo de contratação admitido ao SRP. Em relação aos procedimentos auxiliares, o potencial de ganho de eficiência pode ser ampliado exponencialmente, com o compartilhamento, algo ainda, infelizmente, inusitado na prática administrativa.
AUTOR:
RONNY CHARLES LOPES TORRES
Advogado da União. Doutorando em Direito do Estado e Regulação pela UFPE. Mestre em Direito Econômico pela UFPB. Pós-graduado em Direito tributário (IDP). Pós-graduado em Ciências Jurídicas (UNP). Membro da Câmara Nacional de licitações e contratos da Consultoria Geral da União (AGU). Já exerceu o cargo de Consultor Jurídico Adjunto na Consultoria Jurídica da União perante o Ministério do Trabalho e Emprego e de Coordenador Geral de Direito Administrativo na Consultoria Jurídica da União perante o Ministério da Previdência Social. Coordenador (junto com o Prof. Jacoby Fernandes) da pós-graduação em Licitações e contratos, da Faculdade Baiana de Direito. Coordenador (junto com os Professores Jacoby Fernandes e Murilo Jacoby) da pós-graduação em Licitações e contratos, da Faculdade CERS. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (10ª Edição. Ed. JusPodivm); Licitações e contratos nas empresas estatais (Co-autor. Ed. Jus Podivm); Improbidade administrativa (Co-autor. 4ª edição. Ed. Jus Podivm); Direito Provisório e a emergência do Coronavírus (Co-autoria. Ed. Fórum).
OBSERVAÇÃO:
Este texto é baseado em trecho da 10ª edição de nosso livro: Leis de licitações públicas comentadas.
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