Como a Administração Pública pode garantir as condições de uso e funcionamento na compra de bens usados?

4 de maio de 2020

Como a Administração Pública pode garantir as condições de uso e funcionamento na compra de bens usados?

Por Ronaldo Corrêa

Introdução

Uma as medidas adotadas no Brasil para o enfrentamento da pandemia de COVID-19 foi a edição da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 que, dentre outros aspectos, flexibilizou as regras para a realização das contratações públicas.

A preocupação em adequar o arcabouço legal à realidade momentânea do mercado é nítida, especialmente nos dispositivos que tratam da aceitação de empresas declaradas inidôneas e suspensas, sem regularidade fiscal ou trabalhista, bem como na permissão para a Administração afastar ou desconsiderar a pesquisa de preços de mercado.

Bens e equipamentos usados

Nessa esteira, foi prevista também a possibilidade da aquisição de bens e a contratação de serviços que envolvam equipamentos usados, condicionada à responsabilização do fornecedor pelas plenas condições de uso e funcionamento do bem.

Em que pese o mercado de usados ser bastante conhecido e utilizado no âmbito privado, e a legislação de compras públicas não vedar a aquisição de bens usados, tal prática ainda não é muito disseminada no âmbito das contratações públicas. Existem alguns poucos pregões e certames licitatórios para a compra de veículos automotores usados, como por exemplo caminhões e implementos agrícolas.

Assim, seja por falta de boas práticas consagradas de aplicação na esfera pública, seja por causa de dúvidas jurídicas, surgem questionamentos dos gestores públicos acerca de como, em termos práticos, a Administração Pública poderá implementar tal permissivo legal, trazido no bojo da legislação de enfrentamento à emergência de saúde pública. Especialmente em relação à garantia do funcionamento dos equipamentos usados.

Garantia legal e contratual de bens usados

O Código de Defesa do Consumidor (CDC), instituído por meio da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, não faz distinção entre bens novos ou usados quando trata da garantia legal ou contratual.

Art. 24. A garantia legal de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor.

Art. 50. A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito.

Ou seja, a garantia legal é devida também nos casos de comercialização de bens e serviços que envolvam equipamentos usados, independentemente da formalização ou existência de termo expresso.

Da mesma forma, a garantia contratual é aplicável às contratações que envolvam bens usados. Neste caso, passa a ser obrigatória a adoção de termo escrito, que esclareça de maneira adequada em que consiste a garantia, bem como a forma, o prazo e o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor/contratante.

Cumpre destacar que, a teor do que fixa o art. 50 supracitado, existindo garantia contratual, ela inicia-se após o término da garantia legal obrigatória, que é de trinta dias para os serviços e produtos não duráveis, e de noventa dias para os duráveis, conforme disciplina o art. 26 do CDC.

Segundo a tese jurídica constante do Parecer 1.759/2010-PGFN/CJU/COJLC, o CDC é aplicável às relações contratuais da Administração Pública, especialmente quanto à execução das garantias legal e contratual. Tal manifestação jurídica resultou na edição da Orientação Normativa AGU nº 51, de 25 de abril de 2014.

A GARANTIA LEGAL OU CONTRATUAL DO OBJETO TEM PRAZO DE VIGÊNCIA PRÓPRIO E DESVINCULADO DAQUELE FIXADO NO CONTRATO, PERMITINDO EVENTUAL APLICAÇÃO DE PENALIDADES EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DE ALGUMA DE SUAS CONDIÇÕES, MESMO DEPOIS DE EXPIRADA A VIGÊNCIA CONTRATUAL.

Assim, o gestor da área de compras públicas que opte por aplicar a nova legislação na aquisição de bens ou contratação de serviços que incluam equipamentos usados, pode adotar o uso do termo de garantia como meio para vincular o fornecedor em relação à sua responsabilidade pelas plenas condições de uso e funcionamento do bem adquirido.

Conclusão

A Administração Pública pode realizar a aquisição de bens e a contratação de serviços que envolvam equipamentos usados, condicionada à responsabilização do fornecedor pelas plenas condições de seu uso e funcionamento.

O advento da legislação de enfrentamento da pandemia de COVID-19 veio ressaltar um permissivo legal já existente, mas pouco utilizado, dando maior segurança jurídica na sua adoção, devido à previsão expressa em lei.

As garantias legal e contratual previstas no CDC aplicam-se também para contratos que envolvam bens usados, tanto na esfera pública quanto privada. Para tanto, a Administração Pública pode ser valer da garantia legal ou prever o fornecimento, pelo contratado, de termo de garantia contratual.


RONALDO CORRÊA

Graduado em Logística pela Universidade Estácio de Sá e mestrando em Administração Pública pela Universidade Federal de Sergipe. Servidor da Polícia Federal desde 2004, possui mais de 10 anos de experiência atuando com logística pública e atualmente é gestor de viagens e coordenador de capacitações na Superintendência Regional da PF em Sergipe. Na Enap, ministra os cursos de Elaboração de Editais para Aquisições no Setor Público, Elaboração de Termos de Referência e Projetos Básicos para Contratação de Bens e Serviços no Setor Público, Gestão e Fiscalização de Contratos e Fundamentos do Pregão. Atuou também como moderador da Comunidade Compras Públicas dessa escola. Atua em eventos de capacitação do Sistema de Concessão de Diárias e Passagens-SCDP junto ao Ministério do Planejamento e demais órgãos federais. Desde 2010 é moderador da comunidade virtual de práticas Nelca, com mais de 2500 compradores públicos cadastrados.. 

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