Como o TCU aplica a LINDB? Pesquisa revela a necessidade de ajustes no processo de decantação da LINDB no TCU

21 de dezembro de 2023

Autores:
ANDRÉ DE CASTRO O. P. BRAGA, ANDRÉ ROSILHO, CONRADO TRISTÃO, GABRIELA DUQUE, MARIANA VILELLA, PEDRO A. AZEVEDO LUSTOSA E VITÓRIA DAMASCENO

Em 2018, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) foi atualizada. Houve a inclusão de 10 novos dispositivos voltados a aumentar a segurança jurídica na criação, interpretação e aplicação do direito público. O objetivo foi contribuir para a criação de um ambiente jurídico mais propício à inovação.

Os novos dispositivos da LINDB, em sua maioria, apenas consolidam em lei geral “melhores práticas” disseminadas em normas esparsas e na jurisprudência. Contudo, suscitaram forte oposição no âmbito do processo legislativo, sobretudo por parte de órgãos de controle.[1]

O tempo passou e a nova LINDB foi incorporada ao cotidiano do mundo público. O diploma “pegou”. Agora, pesquisadores e acadêmicos têm o desafio de identificar, compreender e sistematizar o modo como órgãos de controle — inclusive aqueles que inicialmente foram refratários às mudanças — aplicam os arts. 20 a 30 da LINDB, bem como de analisar as interpretações que vão se consolidando.

Motivado por esse desafio, o Observatório do TCU da FGV Direito SP + Sociedade Brasileira de Direito Público, com o apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI), acaba de concluir pesquisa que mapeou todas as decisões proferidas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) que expressamente aludiram aos novos dispositivos da LINDB nos dois primeiros anos de vigência do diploma (2018-2020).

Por volta de 60% dos 299 acórdãos que compuseram a base de dados citou os arts. 22 e 28, isolados ou em conjunto. Dentre os temas abordados pela nova LINDB, dosimetria de sanções e responsabilização pessoal de agentes públicos foram os que mais mobilizaram a atenção de técnicos e ministros.

No que tange ao art. 28, dispositivo ao redor do qual orbitam os achados de pesquisa mais significativos, destacamos duas constatações importantes.

A primeira é a de que o art. 28, quando expressamente invocado, tem sido utilizado pelo TCU para condenar (80% dos casos).

A segunda é a de que o TCU tem se esforçado para fixar, em abstrato, de modo bastante objetivo, condutas que, a seu ver, caracterizariam erro grosseiro para fins de responsabilização pessoal de agentes.

Para o Tribunal, é erro grosseiro, por exemplo: (i) a contratação fundada em inexigibilidade de licitação sem caracterização da inviabilidade de competição (Acórdão 22/2021-2ª Câmara); (ii) o descumprimento, sem motivação, de determinação expedida pelo TCU (Acórdão 2028/2020-Plenário); (iii) o pagamento de serviços de natureza continuada prestados sem respaldo contratual (Acórdão 13053/2019-2ª Câmara); (iv) a decisão do gestor que desconsidera, sem a devida motivação, parecer da consultoria jurídica do órgão ou da entidade que dirige (Acórdão 264/2019-Plenário); e (v) o direcionamento de licitação para marca específica sem a devida justificativa técnica (Acórdão 1264/2019-Plenário).

O curioso é que, ao criar “lista” de condutas objetivamente qualificáveis como erro grosseiro, o TCU, em vez de se concentrar na verificação de fatores subjetivos que tornariam aceitável eventual violação a regra ou preceito jurídico (erro escusável), limita-se a reiterar o fato de que certas condutas violam o ordenamento.

Supõe, assim, que a mera constatação do cometimento de certas irregularidades seria suficiente para caracterizar erro grosseiro e, por conseguinte, para punir.

Tal postura não parece atender ao art. 28 da LINDB. O dispositivo, ao afirmar que a responsabilidade pessoal ocorre apenas em caso de dolo ou erro grosseiro, demanda que as autoridades delimitem, com a maior precisão possível, as circunstâncias concretas que, presentes, qualificam erros como escusáveis.[2]

Isso não quer dizer que as condutas mapeadas pelo TCU não possam vir a configurar erros grosseiros, tampouco que a aplicação “mais correta” do art. 28 seria sempre aquela que isenta gestor público de responsabilidade pessoal. A pesquisa se limita a registrar potencial insuficiência do método usado pelo TCU para caracterizar erro grosseiro.

O relatório completo da pesquisa estará no ar em breve. Nesse semestre, o Observatório do TCU da FGV Direito SP + sbdp e a CNI farão evento para levar a pesquisa a debate público.


[1] Ver, por exemplo, “Presidente e Ministros do TCU pedem a Temer que vete mudanças na LINDB”, Consultor Jurídico, 18.4.2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-abr-18/presidente-ministros-tcu-pedem-temer-vete-lindb.

[2] Em texto anterior desta coluna, comentamos caso recente (não abarcado pela pesquisa em questão) em que o TCU, ao aferir a responsabilidade de agentes públicos, procurou avaliar a existência de erros escusáveis, nos termos do art. 28 da LINDB. Ver André Rosilho. “Será que o TCU prefere ser temido?”, JOTA, 7/7/2021. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/sera-que-o-tcu-prefere-ser-temido-07072021.

 

*Texto disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/como-o-tcu-aplica-a-lindb-01092021

 

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