Autossabotagem constitucional – O risco de o STF trabalhar em desprestígio à Constituição

21 de março de 2022

Autossabotagem constitucional

O risco de o STF trabalhar em desprestígio à Constituição

Por EGON BOCKMANN MOREIRA
Professor de Direito Econômico da UFPR. Advogado. Árbitro.

            A edição 193 do “Boletim Repercussão Geral”, do STF, traz importante alerta sobre a expansão de matérias submetidas a juízos de constitucionalidade – e da enorme complexidade gerada pelo próprio Tribunal em torno desse assunto.

            O Boletim abre com o Tema  1.191: a “Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária de créditos trabalhistas”. A tese fixada traz assuntos como TR; IPCA-E; taxa SELIC; Código Civil; juros moratórios; Fazenda Pública; quatro ações diretas de inconstitucionalidade sobre temas diversos; CPC; correção monetária e fases de seu cálculo judicial. Não menciona nenhum – friso, nenhum – artigo da Constituição.

            O acórdão – enxuto, com dezessete páginas – traz 9 menções à Constituição, mas cita expressamente apenas dois artigos: o 100, § 12 (índice de correção de precatórios), e o 5º, incs. II e XXXVI (legalidade, ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada). Ou seja, com lastro no índice de correção de precatórios combinado com a multiuso “segurança jurídica”, o STF acolheu recurso extraordinário e fixou tese que não trata, em momento algum, da aplicabilidade imediata de qualquer norma constitucional.

            Parece-me que isso revela algo de bastante perigoso. Afinal, não são de hoje as queixas a propósito da excessiva atribuição da Suprema Corte. No relatório da gestão de 2018-2020, constam 3.446 processos/mês registrados à Presidência e 3.500 processos/mês distribuídos aos Ministros, com 201.284 decisões (169.607 monocráticas). Já no relatório de atividades de 2021 constam 77.449 processos recebidos, dos quais 48.117 foram à Presidência e 33.166 aos Ministros, com 98.198 decisões (82.781 monocráticas).

            Sejamos realistas: 98.198 decisões/ano é um despautério. Em cálculos inexatos, são mais de 8.927 decisões por Ministro: 24 por dia, em todos os 365 do ano. Alguma coisa está fora da ordem, eis que estamos a tratar de seres humanos analisando controvérsias complexas, a envolver milhões de páginas de leitura. Com esses números, é humanamente impossível que o STF desempenhe a contento as tarefas que lhe foram cometidas. Por mais louvável que seja o esforço, tal volume esvazia a razão de ser de um Tribunal Constitucional. Situação que se agrava – e muito – quando a própria Corte traz para si temas que a Constituição não lhe atribuiu.

            Não consigo imaginar quão tentador seja decidir temas relevantes para vida de múltiplas pessoas – como a correção monetária de débitos trabalhistas. Tenho também consciência de que nossa Constituição é por demais analítica. Todavia, talvez esteja na hora de o STF parar de se autossabotar e julgar apenas e tão-somente os casos comprovada, efetiva e imediatamente constitucionais. Afinal, a partir do momento em que se reputar que tudo, todas as leis, atos, contratos e situações jurídicas, têm relevância constitucional, a Constituição deixará de existir como tal.

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