Por Alessandro Macedo[1]
Tenho aproveitado as aulas ministradas nos municípios para traçar um diagnóstico inicial sobre a implementação da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLCA, e trarei, neste artigo, as primeiras impressões sobre tal processo, revelando algumas preocupações, sobretudo, no âmbito dos pequenos e médios municípios.
Inicialmente, verifica-se que atores importantes, como o controle interno e advocacia pública, precisam de um melhor posicionamento, inclusive no tocante às suas atividades, saltando aos olhos, a função, completamente equivocada, do controle em participar do processo de liquidação da despesa, quando são remetidos a este setor, antes do pagamento, os processos para análise e autorização prévias, o que viola frontalmente, o princípio da segregação de funções, que inclusive, se encontra previsto no art. 5ᵒ da NLLCA.
Tal distorção desvia o foco do controle interno, como órgão que tem por missão, analisar e revisar os processos, incluído os licitatórios, após a sua concretização, chamando atenção aos ordenadores de despesa, acerca de possíveis irregularidades.
Já a advocacia pública terá um papel importante na defesa nos agentes públicos, prevista no art. 10 da NLLCA, inclusive na racionalização de procedimentos, através da elaboração de minutas padronizadas de editais, contratos e outros, assim como na orientação aos fiscais de contrato, quando, juntamente com o controle interno, “deverão dirimir dúvidas e subsidiá-lo com informações relevantes para prevenir riscos na execução contratual”, consoante o art. 117, §3ᵒ do novo diploma licitatório.
E para tal desiderato, o primeiro óbice é a própria Constituição Federal, que não estabelece a obrigatoriedade da criação de procuradorias municipais, um desserviço à boa gestão municipal, tendo em vista a complexidade de matérias submetidas a decisão dos gestores, e considerando que as necessidades dos cidadãos são supridas, no primeiro momento, pela municipalidade.
Diante deste cenário constitucional, não resta ao gestor, a contratação de consultorias advocatícias, que levam todo o conhecimento ao final do contrato, gerando um hiato no tocante ao histórico das contratações públicas, quando tais consultorias deveriam ser utilizadas como núcleos de orientação complementar, à própria procuradoria, não devendo tal terceirização, por completo, ser protagonista da vida jurídica do município.
Importa registrar que se entendermos que a expressão “advocacia pública”, prevista no supracitado art. 10 da NLLCA, se refere a órgão estatal, perderão a oportunidade, as autoridades competentes e os servidores públicos que tiverem participado dos procedimentos relacionados às licitações e aos contratos de que trata a Lei de licitações, de defesa “nas esferas administrativa, controladora ou judicial”, inclusive conforme próprio dispositivo, “na hipótese de o agente público não mais ocupar o cargo, emprego ou função em que foi praticado o ato questionado”. Portanto, urge a avaliação pelos gestores públicos municipais, acerca da implementação e do devido aparelhamento das procuradorias municipais.
Tais aspectos denotam de forma inquestionável, algumas distorções que dificultam a participação dos referidos setores, no âmbito municipal, do processo de implementação da NLLCA, tema a seguir tratado, objeto central deste artigo.
Tenho defendido que deveríamos, neste momento, estar na fase final de planejamento e regulamentação da NLLCA, todavia nos municípios tal processo ainda está embrionário, e nem sequer foi iniciado, o que demonstra que estes, nesta situação, jamais poderiam realizar contratações com base na nova lei, apesar de autores renomados sugerirem, desde o ano passado, tais contratações, o que desencadeou, por exemplo, contratações diretas por dispensa em função, desconsiderando as aquisições já realizadas no exercício financeiro, inclusive sob o manto da lei 8666/93, assim como a utilização de procedimentos auxiliares sem regulamento, todas realizadas se descuidando da adoção dos artefatos de planejamento, tais como: o plano de contratação anual, estudo técnico preliminar, termo de referência e análise de risco, quando cabíveis, inclusive desconsiderando as novas normas relativas aos contratos, como por exemplo, as novas cláusulas obrigatórias impostas pela NLLCA.
Logo, neste momento se impõe, com urgência, a adoção da criação de um Comitê Intersetorial de implementação na nova lei, que definirá as suas funções, devendo ser atribuição do Comitê, a elaboração de um plano de trabalho, acompanhado de um cronograma de atividades, antes de qualquer contratação pela NLLCA.
Algumas atividades devem ser priorizadas pelo referido Comitê, tais como: a regulamentação dos quase 50 (cinquenta) itens que a nova lei remete aos regulamentos, e neste caso se sugere apenas um Decreto, contemplando todas as matérias previstas na lei, procedimento este necessário, diante de tantas demandas, em especial, quanto a adoção dos procedimentos auxiliares (pré-qualificação, procedimento de manifestação de interesse, registro cadastral, credenciamento e sistema de registro de preços) e do plano de contratação anual, importante medida de planejamento e racionalização das contatações, assim como de alinhamento com o planejamento estratégico, e subsídio importante na elaboração das leis orçamentárias.
Outras medidas, no campo do planejamento, também se revelam urgentes tais como: a revisão dos modelos de estudo técnico preliminar e termo de referência, assim como a elaboração de um documento ou formulário que contemple a análise de risco, que nos parece obrigatória, porém suscetível de sua dispensa em demandas repetitivas, ou nos casos de baixa complexidade quanto a definição do objeto e mercado, buscando a eficiência, celeridade e racionalização/otimização de procedimentos.
Não é despiciendo anotar que, paralelamente, a tais atribuições do Comitê, um mapeamento será necessário, na definição dos atores de licitação: o agente e o comitê de contratação, o pregoeiro, os fiscais do contrato e outros, diante dos requisitos contidos nos art. 7ᵒ e 8ᵒ da NLLCA, assim como a promoção de qualificação, com vistas ao atendimento da gestão de competências, premissa estabelecida no caput do art. 7ᵒ da novel lei de licitações e contratos.
Dentre os aspectos importantes, urge também a necessidade de adoção, paralela a previsão de regulamentação, de um manual de compras, já afinado com os art. 40 a 44 da NLLCA, que trazem importantes contribuições ao planejamento das compras, com base na “expectativa de consumo anual”, prevista no caput do art. 40, esta contemplada no importante Plano de Contratação Anual, bússola do processo de contratação na administração pública.
Tendo em vista a alta utilização das contratações diretas, se faz necessário um olhar especial para o processo de instrução estabelecido no art. 72 da NLLCA, e para a comprovação dos requisitos legais de cada dispositivo da inexigibilidade e da dispensa, chamando atenção que a justificativa e a instrução documental são fundamentais para o afastamento do dever geral de licitar; requisitos estes sob o olhar de um “agente de contatação direta”.
Por fim, uma revisão das minutas de contratos já existentes, adequando aos novos ditames estabelecidos pela NLLCA, em especial quanto às (ao): cláusulas obrigatórias, formalismo contratual, regras de convocação do licitante remanescentes, definição dos prazos de duração, regras de garantias, definição/regulamentação das atribuições do fiscal do contrato, regras de alteração e extinção contratuais, regras quanto a ordem cronológica de pagamento.
Desta forma, o presente artigo tem apenas o objetivo de estabelecer algumas premissas de orientação, sobretudo, aos pequenos e médios municípios brasileiros, que neste momento, não iniciaram o processo de implementação da NLLCA, e que devem concentrar os esforços para o planejamento e implementação gradual, evitando a precipitada adoção da lei ora posta, sem uma estrutura de planejamento mínima, e capacitação dos seus quadros.
O que se defende, portanto, é a realização de contratações sob a égide da nova lei, apenas após a observância das etapas aqui sugeridas, o que garantirá, em certa medida, contratações mais seguras, não apenas buscando atender aos interesses públicos, mas atenuando os riscos de notificações pelos órgãos de controle.
Insisto mais uma vez: conhecer a realidade do município, neste momento, é fundamental, uma vez que a lei não apenas altera o rito procedimental das contratações públicas, mas deverá desencadear na ruptura do atual modelo de cultura organizacional, caracterizado pela forte disfunção burocrática, e neste caso é imperiosa a necessidade de qualificação profissional dos agentes de licitação, com o objetivo de extrair os benefícios que a NLLCA possibilita, porém, mais uma vez asseverando, implementando-a de forma gradual, a partir de um rígido processo de planejamento, que perpassa como alhures mencionado, pela criação de um Comitê Intersetorial, que será fundamental na definição de diretrizes seguras e necessárias, antes de qualquer contratação sob o manto da NLLCA.
Portanto, a hora é de planejamento, e de atuação efetiva e célere, afastando qualquer processo letárgico, até porque o tempo passa rápido e a partir de 01.04.2023 estaremos regidos, exclusivamente, pela NLLCA, e as decisões precisam ser tomadas imediatamente, e neste caso vale lembrar as célebres lições de Peter Ducker: “O planejamento de longo prazo não lida com decisões futuras, mas com o futuro de decisões presentes”.
[1] [1] Alessandro Macedo é servidor efetivo do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia – TCM/BA – Auditor de Controle Externo. Atualmente Diretor da Diretoria de Assistência aos Municípios – DAM do TCM/BA. Mestre em Administração Pública. Professor da Pós-graduação da Fundacem, Unifacs, da Ucsal, e da Faculdade Baiana de Direto.
0 comentários