1. O ENQUADRAMENTO SINDICAL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 8º, estabelece as premissas básicas acerca do sistema sindical brasileiro, sendo reconhecido expressamente pelos incisos II e III o modelo de representatividade por “categorias”.

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
[…]

II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;

III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

Portanto, a ordem constitucional inaugurada em 1988 recepciona a estrutura de organização sindical estabelecida no Título V da Consolidação das Leis Trabalhistas, em especial o disposto no art. 511, 516 e, em certa medida, o art. 570:

Art. 511. É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas.

§ 1º A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica.

§ 2º A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional.

§ 3º Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares.

§ 4º Os limites de identidade, similaridade ou conexidade fixam as dimensões dentro das quais a categoria econômica ou profissional é homogênea e a associação é natural.

Art. 516 – Não será reconhecido mais de um Sindicato representativo da mesma categoria econômica ou profissional, ou profissão liberal, em uma dada base territorial.

Art. 570. Os sindicatos constituir-se-ão, normalmente, por categorias econômicas ou profissionais, específicas, na conformidade da discriminação do quadro das atividades e profissões a que se refere o art. 577 ou segundo as subdivisões que, sob proposta da Comissão do Enquadramento Sindical, de que trata o art. 576, forem criadas pelo ministro do Trabalho, Indústria e Comércio.

Vale consignar que a segunda parte do transcrito art. 570, em atenção aos comandos constitucionais de liberdade sindical e não intervenção estatal, não foi recepcionada pela CF/1988 em razão da vinculação dos enquadramentos sindicais a um quadro de atividades e profissionais elaborado e mantido pelo Poder Público.

Em termos conceituais, “a categoria se identifica por um vínculo de solidariedade entre pessoas que exercem as mesmas atividades econômicas ou profissões e que, por esse motivo, têm, naturalmente, interesses individuais semelhantes”[1].

O gênero “categoria”, a partir da estrutura definida no art. 511 da CLT, é dividido em:

a) categoria econômica (art. 511, §1º): é identificada em razão da “solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas”. A constituição da “categoria econômica” se dá a partir da congregação de empregadores que, por desenvolverem determinada atividade, convergem em relação aos seus objetivos. Dado seu nítido viés patronal, a CF/1988 e a CLT reconhece as entidades representativas da categoria econômica como “sindicatos patronais” e preconiza a imprescindibilidade de sua participação nas negociações coletivas.

b) categoria profissional (art. 511, §2º): caracterizada pela “similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas”. Como bem alerta PEREIRA NETO, “diferentemente das origens históricas dos sindicatos, não mais a reunião dos trabalhadores se dá exatamente pelo ofício que desenvolvem. No modelo celetista, a categoria profissional se forma em função da atividade econômica que se empregador desenvolve”[2]. Assim, “pouco importa a profissão ou a formação técnica de um trabalhador para se identificar qual sindicato profissional o representa. Tal detecção se dá pela observância da atividade econômica de seu empregador. Note-se, com isso, que a homogeneidade de interesses é reconhecida pelo sistema brasileiro como atinente às condições de trabalho a que os empregados se submetem, e não propriamente às tarefas profissionais especificamente desenvolvidas pelo trabalhador”[3].

c) categoria diferenciada (art. 511, §3º): trata-se daquela formada por empregados que “exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares”. Diante do que consta do art. 5º, XIII, da CF/1988, de acordo com o ordenamento constitucional, há que se reconhecer que o “estatuto profissional especial” de que trata o §3º do art. 511 da CLT se refere a um ato normativo primário que estabelece uma determinada atividade como privativa de uma profissão, a exemplo dos Decretos-Lei nº 9.295/1946 (contadores) e nº 972/1969 (jornalistas profissionais) e das Leis nº 5.194/1966 (engenharia), Lei nº 12.842/2013 (medicina) e nº 13.475/2017 (aeronautas). Logo, “diversamente dos empregados em geral, que são representados pelo sindicato de trabalhadores relacionado à atividade econômica do empregador, aqueles que compõem categoria profissional diferenciada serão representados pela entidade sindical de trabalhadores que exercem aquela profissão específica”[4].

A compreensão das “espécies” de categoria é fundamental para o processo de “enquadramento sindical” que se refere à identificação do sindicato representante de determinado grupo de empregados (sindicato laboral) ou de empregadores (sindicato patronal), tendo como parâmetro a atividade profissional ou econômica que desenvolvem e a base territorial em que se localizam.

Nas palavras de PEREIRA NETO, “o processo de enquadramento sindical passa, em primeiro ato, pela identificação da atividade econômica da qual faz parte o empregador, o que culmina na assinalação do sindicato patronal representante daquela categoria, naquela base territorial. Constatado o sindicato patronal, detecta-se a entidade sindical que representa os trabalhadores que desenvolvem tarefas naquele mesmo setor econômico e base territorial”[5]. Daí se falar, como exemplo, em um Sindicato das Indústrias Metalúrgicas do Estado de Goiás (patronal) e de um Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas do Estado de Goiás (laboral).

Por sua vez, as categorias diferenciadas constituem uma importante exceção à regra do processo de enquadramento sindical, porquanto, como exceção aos empregados em geral, os integrantes de categorias diferenciadas são representados pelas entidades sindicais relativas àquelas profissões específicas[6].

Guiado pelos primados da autonomia sindical, da não interferência estatal, do agrupamento por categorias, da unicidade sindical na base territorial para a mesma categoria e da compulsoriedade de representação, o enquadramento sindical é salutar para a identificação adequada da norma coletiva de trabalho a incidir sobre a relação de emprego, em observância ao disposto no art. 611 da CLT.

Art. 611 – Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.

§ 1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho.

Enquanto a convenção coletiva de trabalho (CCT) é autoaplicável à “integralidade das categorias representadas pelos sindicatos que firmaram a norma coletiva”[7], os efeitos do acordo coletivo de trabalho (ACT) se limitam à(s) empresa(s) signatária(s) e seus respectivos empregados.

E, dada a “especialidade” do ACT, preconiza o art. 620 da CLT (alterado pela Lei nº 13.647/2017) que “as condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho“.

A adequada indicação da CCT ou ACT se mostra ainda mais relevante diante da previsão contida no art. 611-A da CLT, incluído pela Lei da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), consagrando a ideia segundo a qual o “acordado prevalece sobre o legislado“.

Contudo, não havendo ACT específico, a identificação da CCT a incidir sobre a relação de trabalho poderá ser uma tarefa assaz complexa, tendo em vista as intersecções de representatividade sindical, tanto patronal quanto laboral, em razão do alargamento conceitual dos elementos identidade, similaridade e conexidade. Assim, não raro, é bastante comum observar, em uma mesma base territorial, uma completa pulverização de normas coletivas de trabalho, dada a criação de diversos sindicatos oriundos de um acentuado grau de “especialização” das próprias categorias, em especial, as profissionais[8].

2. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS COM DEDICAÇÃO EXCLUSIVA DE MÃO DE OBRA E A OBSERVÂNCIA DAS NORMAS COLETIVAS DE TRABALHO: ATÉ ONDE PODERÁ IR O EDITAL?
No tocante ao planejamento e estimativa das despesas para uma contratação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra, é salutar, para o levantamento dos custos reais e balizados com os postos de trabalho a serem alocados na execução das atividades, que a Administração observe, dentre os critérios aplicáveis, os pisos salariais e os benefícios previstos em norma coletiva de trabalho incidente sobre o objeto da contratação[9]. Mas, contudo, é fundamental consignar que a consideração de tal norma coletiva possui caráter meramente orientativo.

Na esteira do exposto no tópico 1 deste artigo, partindo-se do pressuposto segundo o qual o enquadramento sindical deve ser realizado pela própria empresa, de acordo com sua atividade econômica preponderante (art. 581, §2º, da CLT[10]), a rigor a Administração não possui ingerência sobre a norma coletiva de trabalho que deverá ou não ser observada por um contratado para a prestação de serviços terceirizados.

Considerando que na terceirização, a Administração Pública, como tomadora do serviço, não integra a relação de trabalho firmada entre a empresa e seus empregados, seria vedado ao Poder Público imiscuir-se em tal vínculo e, ainda, a praticar atos de ingerência na administração da contratada[11].

Dessa forma, há que se reconhecer a inviabilidade de se estabelecer no edital para a seleção da empresa prestadora do serviço com dedicação exclusiva de mão de obra a adoção obrigatória, por parte das licitantes, de uma determinada norma coletiva de trabalho.

Afinal, se o enquadramento sindical (e a aferição da respectiva norma coletiva incidente) se dá em razão da atividade econômica preponderante da empresa, dada pluralidade de características dos licitantes e a particularidade de atuação de cada um, não haveria não só condições jurídicas, mas também condições fáticas para tal fixação prévia de adoção de uma determinada CCT.

É esse, inclusive, o entendimento sufragado pelo Tribunal de Contas da União diante da análise de situações nas quais foi questionada a postura da Administração em exigir, como obrigatória, a observância de determinada CCT para a composição de custos dos postos de trabalho, inclusive sob pena de desclassificação da proposta:

[…]
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:

[…]
9.2.2.1. abstenha-se de exigir a indicação de sindicato representativo de categorias profissionais como critério de classificação de licitantes, atendendo ao disposto no art. 3º, § 1º, inciso I, e art. 30, § 5º, da Lei 8.666/93, e no art. 4º, parágrafo único, do Decreto 3.555/2000; [grifou-se]
[…]
(Parte dispositiva do Acórdão nº 604/2009-Plenário)

[…], o enquadramento sindical dá-se por aplicação pelo critério legalmente aceito, qual seja, em função da atividade econômica preponderante da empresa e não por imposição de terceiros, muito menos por conta de licitações públicas.
Feito esse registro necessário, conclui-se que, conforme exposto anteriormente, a desclassificação da empresa RCS por ter oferecido proposta de preços fundada em norma coletiva diversa da adotada pela Agência foi irregular.
(Trecho do voto do Min. Bruno Dantas no Acórdão TCU nº 1.097/2019-Plenário)

É irregular a exigência de que as propostas dos licitantes indiquem os acordos coletivos, as convenções coletivas ou as sentenças normativas que regem as categorias profissionais que executarão o serviço. As propostas devem considerar o enquadramento sindical pela atividade econômica preponderante do empregador.
(Enunciado do Acórdão nº 2.601/2020-Plenário)

Na elaboração de sua planilha de formação de preços, o licitante pode utilizar norma coletiva de trabalho diversa daquela adotada pelo órgão ou entidade como parâmetro para o orçamento estimado da contratação, tendo em vista que o enquadramento sindical do empregador é definido por sua atividade econômica preponderante, e não em função da atividade desenvolvida pela categoria profissional que prestará os serviços mediante cessão de mão de obra (art. 581, § 2º, da CLT e art. 8º, inciso II, da Constituição Federal).
(Enunciado do Acórdão nº 2.101/2020-Plenário)

Com esteio em tal entendimento, não haveria lastro jurídico para que o agente responsável pela licitação eventualmente “recuse” uma determinada CCT indicada por licitante e, dessa forma, promova a desclassificação da empresa caso não concorde em aceitar a CCT “sugerida” pela Administração como a mais adequada para a própria licitante.

Para fins de formulação da proposta, por estar o enquadramento sindical na esfera exclusiva de avaliação da empresa, não teria a Administração condições de aferir o acerto ou o desacerto da indicação da CCT mais adequada ao objeto do contrato em questão, de modo que, em caso de qualquer controvérsia relativa à correta aplicação de norma coletiva, competirá à Justiça do Trabalho dirimi-las nos termos do art. 625 da CLT.

Daí ser salutar a observância, como boa prática nas contratações públicas, de previsibilidade da exclusiva responsabilidade do licitante pela indicação da norma coletiva incidente na relação de trabalho a ser firmada com os empregados que atuarão na execução dos serviços, devendo a referida empresa arcar com o ônus decorrente de superveniente apontamento no equívoco do enquadramento.

Para tanto, a título de exemplo, transcrevemos a seguir a redação utilizada nos editais de licitação do Senado Federal para contratação de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra:

DISPOSITIVOS DO CAPÍTULO REFERENTE À PROPOSTA DE PREÇOS:

xx.x – A licitante deverá consignar, na forma expressa no sistema eletrônico, o preço total anual de cada item, observadas as especificações constantes dos anexos deste edital, expressos em algarismo arábico, na moeda Real, considerados apenas até os centavos, compreendendo todos os custos diretos e indiretos necessários ao cumprimento do objeto do contrato, em especial observada a legislação trabalhista, previdenciária, tributária e Acordo Coletivo de Trabalho ou Convenção Coletiva de Trabalho indicado(a) sob a responsabilidade do licitante nos termos do item xx.x.x.x.

xx.x.x – A composição dos custos da proposta será realizada a partir do Acordo Coletivo de Trabalho ou Convenção Coletiva de Trabalho indicado(a) sob a responsabilidade do licitante nos termos do item xx.x.x.x.

xx.x.x.x – É de responsabilidade da licitante a indicação do ACT/CCT tendo em vista seu enquadramento sindical (art. 511, § 2º, da CLT) ou, em caso de vinculação sindical plúrima do empregador terceirizante (art. 581, §1º, CLT), norma coletiva de trabalho (ACT/CCT) que envolva os segmentos profissionais cujas atividades estejam contempladas no objeto da licitação.

DISPOSITIVOS REFERENTES À MINUTA CONTRATUAL:

São obrigações da CONTRATADA, além de outras previstas neste contrato ou decorrentes da natureza do ajuste:

XXX – responsabilizar-se pelos ônus financeiros e acréscimos substanciais de custos em face de alteração superveniente de ACT/CCT vinculada a proposta da CONTRATADA em decorrência de decisão judicial ou de fato que afete o seu enquadramento sindical ou a sua vinculação a instrumento coletivo de trabalho no qual a empresa tenha sido representada por órgão de classe de sua categoria.

Destarte, a partir de tais previsões, resta preservada a esfera de autonomia da empresa (no tocante às vedações de ingerência da Administração) e caracterizada sua ciência e responsabilidade pelos ônus decorrentes de um enquadramento inadequado constatado por força de superveniente decisão judicial ou de fato que afete o seu enquadramento sindical.

3. ENQUADRAMENTO SINDICAL “PLÚRIMO” E EMPRESAS DE TERCEIRIZAÇÃO
Em relação às empresas que desempenham atividades típicas de cessão de mão de obra, entende-se que, como a “terceirização” não constitui uma atividade econômica propriamente dita para fins de vinculação à determinado sindicato patronal, há uma espécie de “vinculação sindical plúrima do empregador terceirizante”.

Nesse sentido, merece destaque a jurisprudência trabalhista, em especial do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região:

TERCEIRIZAÇÃO. ENQUADRAMENTO SINDICAL. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. DIFERENÇAS SALARIAIS.

Constituindo a terceirização simples critério de organização produtiva, capaz de alcançar toda e qualquer atividade meio dos entes jurídicos tomadores (Súmula 331, III, do C. TST), não pode ser considerada atividade econômica específica (CLT , art. 511, § 1º), passível de definir o critério de enquadramento sindical de seus empregados (CLT , art. 582). Afinal, como simples empresas-apêndices, que se inserem em outros segmentos empresariais, o enquadramento sindical de seus empregados apenas poderá ser ditado, com segurança e objetividade, pela atividade econômica preponderante dos respectivos tomadores (CLT, art. 511, § 1º), consideradas as funções efetivamente exercidas e ressalvadas as situações das categorias profissionais diferenciadas (CLT, art. 511, §3º). Nesse cenário, oferecidos serviços de terceirização em diversas áreas, cada qual albergada por categorias econômicas específicas, será impositivo reconhecer a vinculação sindical plúrima do empregador terceirizante (CLT, art. 581, § 1º), aplicando-se aos contratos de trabalho que celebra as normas coletivas próprias a cada qual desses segmentos econômicos e profissionais visitados.
[TRT – 10ª Região. RO nº 949201101110000/DF, Relator: Juiz Grijalbo Fernandes Coutinho , Data de Julgamento: 19/10/2011, 3ª Turma, Data de Publicação: 04/11/2011 no DEJT]

A empresa cuja atividade é o fornecimento de mão de obra de forma indistinta, a qualquer setor empresarial, se vincula aos ajustes coletivos do setor para o qual fornece mão de obra. Isso porque, “terceirização” não é atividade econômica.
[TRT – 10ª Região. Processo 0001366-96.2016.5.10.0103, rel. Des. Elke Doris Just, j. em 11/07/2018]

Tal entendimento também é ostentando pela balizada doutrina de Arnaldo Süssekind, in verbis:

Quando uma empresa dedicar-se a duas ou mais atividades econômicas, a que correspondem categorias distintas, tanto ela quanto os seus empregados deverão ser representados pelos sindicatos de empregadores ou de trabalhadores referentes à atividade preponderante. Em caso contrário, os setores que realizam atividades distintas e independentes serão incorporados à respectivas categorias econômicas.
[…]
E os empregados dos estabelecimentos ou setores independentes pertencerão às categorias profissionais correspondentes às atividades econômicas dos mesmos. Não se confunda, porém, atividade preponderante com atividade principal. Consoante o preceituado no § 2º do citado artigo: […] haverá atividade preponderante se todos os estabelecimentos ou setores da empresa operarem, integrados e exclusivamente, para a obtenção de determinado bem ou serviço. Mas, se a atividade desenvolvida por um estabelecimento ou departamento puder ser destacada, sem que o funcionamento da empresa seja afetado na consecução do seu principal objetivo, aquela será independente para fins de sindicalização.[12]

Enfrentando a temática, é oportuno trazer à luz conclusão do Tribunal Superior do Trabalho manifestado em sede do Recurso de Revista nº 25040-11.2007.5.09.0665, julgado em 14/12/2011, sob relatoria do Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TERCEIRIZADOS DE PROCESSAMENTO DE DADOS – ENQUADRAMENTO SINDICAL SEGUNDO O OBJETO DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E A ATIVIDADE EXERCIDA PELO EMPREGADO – OBSERVÂNCIA DO SALÁRIO MÍNIMO PROFISSIONAL PREVISTO EM CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO.
[…]
Em regra, o enquadramento do empregado na categoria profissional se dá, de fato, em decorrência da atividade preponderante da empresa, conforme se infere do art. 511, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho. No entanto, em se tratando de empresa prestadora de serviços, que atua em inúmeros ramos de atividade, como alega a própria recorrente, devem ser observadas as normas coletivas firmadas pelas entidades sindicais específicas, considerando a atividade contratada pela tomadora dos serviços e exercida pelo trabalhador. Do contrário, os empregados contratados pelas empresas prestadoras de serviços terceirizados não contariam com a proteção estabelecida pelas entidades sindicais específicas, que, ao pactuarem as condições de trabalho mínimas, levam em consideração as peculiaridades dessas atividades. Haveria uma quebra do princípio constitucional da isonomia, pois integrantes da mesma categoria profissional, que exercem a mesma atividade, muitas vezes para o mesmo empregador, não gozariam das mesmas condições de trabalho. A diversidade dos serviços fornecidos pelas empresas prestadoras de serviços não possibilita a formação de uma categoria profissional dos empregados das empresas prestadoras de mão de obra que assegure, mediante instrumentos coletivos de trabalho, o bem estar e a segurança desses trabalhadores, considerando as peculiaridades de cada uma das atividades desempenhadas. Por isso, não é possível, por exemplo, que uma empresa prestadora de serviços que forneça mão de obra qualificada nos setores de vigilância, asseio e conservação, digitação, processamento de dados, dentre outros, esteja imune às convenções coletivas firmadas pelas entidades sindicais representativas de cada uma dessas categorias profissionais. Os empregados dessas empresas estariam numa condição inferior aos trabalhadores que desempenham idênticas funções, na mesma base territorial, mas que foram contratados diretamente pelas empresas que desenvolvem, elas próprias, essas atividades, em flagrante desrespeito ao princípio constitucional da isonomia. A terceirização foi concebida e tem seu fundamento na especialização das atividades produtivas, de modo que as empresas produtoras possam transferir para terceiros as atividades que, não obstante a sua relevância, não estejam ligadas à sua área fim, permitindo a concentração de seus esforços naquelas funções inerentes ao seu campo de atuação. A redução dos custos de produção é resultado natural da terceirização das atividades, que apenas decorre dessa especialização e da consequente otimização da produtividade dos diversos serviços que são transferidos para terceiros, especializados nessa atividade. Em nenhum momento pretendeu-se, com a terceirização, precarizar os direitos e as condições de trabalho mínimas dos empregados, subtraindo direitos estabelecidos por negociação coletiva. A autorização para o deslocamento de uma atividade-meio para a prestadora de serviços, como, v.g., diuturnamente, ocorre com os serviços de vigilância, não faz desaparecer todos aqueles direitos e condições mínimas de trabalho alcançadas pela categoria profissional dos vigilantes por intermédio das negociações coletivas. Essa não é a inteligência da Súmula nº 331 do TST, nem a mens legis dos diplomas legais que autorizam a terceirização dos serviços em atividades específicas. Por isso, mostra-se correta a decisão regional ao assegurar ao reclamante a aplicação das convenções coletivas dirigidas, especificamente, aos empregados que prestam serviços de processamento de dados à Caixa Econômica Federal, considerando a natureza da atividade objeto do contrato de prestação de serviços, efetivamente exercida pelo autor.

Nesse sentido, reiterando tal entendimento, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região editou o Verbete nº 76/2019[13] (súmula), com o seguinte teor:

ENQUADRAMENTO SINDICAL. EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS. EXERCÍCIO DE MÚLTIPLAS ATIVIDADES. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. APLICAÇÃO. PARÂMETROS.

I – O enquadramento sindical está vinculado à atividade econômica principal do empregador, não estando inserida neste conceito a prestação de serviços a terceiros.
II – Atuando a empresa em múltiplos setores da economia, o enquadramento sindical observará o segmento no qual o empregado trabalha, salvo quando não for possível identificar a atividade preponderante de seu empregador e, cumulativamente, o sindicato dos trabalhadores houver celebrado convenção coletiva mais benéfica com sindicato eclético da categoria econômica.

Com efeito, diante da configuração da chamada “vinculação sindical plúrima do empregador terceirizante” e da impossibilidade de vinculação taxativa da licitante à determinado sindicato patronal, à luz da jurisprudência trabalhista, é plenamente razoável a adoção de CCT que envolva os segmentos profissionais contemplados no objeto da licitação.

No caso concreto, no sentido de se evitar a adoção de uma norma coletiva de trabalho manifestamente impertinente ao objeto do contrato, a Administração, para aferir a “razoabilidade” do enquadramento pretendido pelo licitante, analisará a representatividade do sindicato laboral signatário da CCT em face do segmento profissional envolvido no escopo do contrato.

Ao final, caso a licitante insista na adequação da CCT indicada, particularmente entendemos como questionável a recusa da respectiva proposta por tal motivo, mostrando-se pertinente, ainda mais, a previsão e o alerta à empresa quanto a sua responsabilidade por um enquadramento equivocado, em especial diante da repercussão financeira de tal erro ao longo do contrato.

No Acórdão nº 1.097/2019, o Plenário do TCU debruçou-se sobre tal problemática, chegando-se à conclusão que, em termos definitivos e salvo quando se tratar de “categoria diferenciada”, o enquadramento compete à empresa e, mesmo nos casos de “vinculação sindical plúrima do empregador terceirizante”, será indevida a desclassificação da licitante por suposta “inadequação de enquadramento sindical”:

No caso concreto, a questão reside, então, em identificar qual CCT deveria ser utilizada na formação dos preços pelos proponentes: se aquela pactuada por entidade sindical representativa do segmento do negócio vinculado à atividade econômica preponderante do licitante; ou aquela efetuada por sindicato que melhor representa a categoria profissional objeto da contratação. Das manifestações constantes dos autos, identificam-se correntes interpretativas distintas.
Uma no sentido de que o sistema sindical vigente prevê o enquadramento sindical com base na atividade econômica preponderante do empregador, no caso aquela que ocupa maior espaço em seu empreendimento e não pela função do empregado, conforme os artigos 570, 577 e 581, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e do art. 8º, inciso II, da Constituição Federal, argumento defendido pela representante.
A outra, defendida pelo pregoeiro, é no sentido de que, nas empresas prestadoras de serviços com locação de mão de obra, não há uma definição clara da atividade preponderante, pois, por vezes, a empresa fornece mão de obra nos mais variados setores da atividade produtiva, como, por exemplo, apoio administrativo, limpeza, brigadista, entre outros. Nesse sentido, aplicar-se-ia em cada contratação a convenção coletiva dirigida especificamente a esses empregados.
Embora a matéria possa ser objeto de alguma controvérsia ou até mesmo de certa confusão por parte de compradores públicos, o enquadramento sindical no Brasil é matéria de ordem pública e decorre de previsão legal, sendo definido, via de regra, pela atividade econômica preponderante do empregador e não em função da atividade desenvolvida pelo empregado, nos termos dos normativos acima citados e do § 2º do art. 511 da CLT…
[…]
Depreende-se então que um empregador não pode ser obrigado a observar uma norma coletiva do trabalho de cuja formação não tenha participado, seja diretamente (acordo coletivo) ou por sua entidade de classe (convenção coletiva).
Ainda que se empreguem trabalhadores integrantes de categorias profissionais diferenciadas na execução dos serviços, cujo conceito é dado pelo § 3º do art. 511 da CLT, a norma coletiva a ser aplicada e observada pelo empregador é aquela pactuada pelo órgão de classe que o representa. Esse é o teor da Súmula 374 do TST que enuncia que “o empregado integrante de categoria profissional diferenciada não tem o direito de haver de seu empregador vantagens previstas em instrumento coletivo no qual a empresa não foi representada por órgão de classe de sua categoria”.
Assim, como já dito acima, o enquadramento sindical de uma empresa, mesmo para aquelas que prestam serviços diversos mediante cessão da mão de obra, é definido por sua atividade econômica preponderante e não para cada uma das categorias profissionais empregadas na prestação de serviços.
Da praxe em contratações dessa natureza, não é incomum situações assemelhadas à discutida nestes autos. Por vezes, com o intuito de supostamente limitar condições remuneratórias outras que não aquelas definidas como satisfatórias pelo promotor do certame, compradores públicos adotam o entendimento de que prevaleceria o enquadramento sindical mais favorável ao empregado – adotando normas coletivas que contemplam direitos, benefícios e vantagens comparativamente mais onerosas. Tal prática não deve ocorrer, pois, reitera-se, o enquadramento sindical dá-se por aplicação pelo critério legalmente aceito, qual seja, em função da atividade econômica preponderante da empresa e não por imposição de terceiros, muito menos por conta de licitações públicas.
Feito esse registro necessário, conclui-se que, conforme exposto anteriormente, a desclassificação da empresa RCS por ter oferecido proposta de preços fundada em norma coletiva diversa da adotada pela Agência foi irregular.
(Trecho do voto do Min. Bruno Dantas no Acórdão TCU nº 1.097/2019-Plenário)

4. INDICAÇÃO DE CCT E CATEGORIAS PROFISSIONAIS DIFERENCIADAS
A partir da descrição do “cargo” contemplado no objeto da licitação, há que se avaliar se tal “cargo” poderá ser considerado como “categoria profissional diferenciada”, de modo que, à luz do art. 511, §3º, da CLT e da jurisprudência do TST, estaria constituída uma exceção à regra do enquadramento sindical sob a ótica subjetiva das empresas (conforme atividade econômica preponderante).

É por lei e não por decisão judicial, que as categorias diferenciadas são reconhecidas como tais. De outra parte, no que tange aos profissionais da informática, o trabalho que desempenham sofre alterações, de acordo com a atividade econômica exercida pelo empregador.
(OJ nº 22 da SDC do TST)

Em tal caso, para fins de incidência da CCT, há, em regra, preponderância da profissão (face ao sindicato laboral representante) e não a atividade econômica da empresa.

No Brasil, denominam-se sindicatos de categoria diferenciada. Os exercentes da profissão formam, com a criação do sindicato, uma categoria própria. Farão parte não do sindicato representativo de todos os trabalhadores do setor econômico da empresa, mas do sindicato da profissão que agrupa todos os que a exercem, independentemente da natureza do setor produtivo em que o façam. Assim, para fins de sindicalização, prepondera a profissão e não a atividade econômica da empresa.[14]

Quando se está diante de “categorias profissionais diferenciadas”, a própria CLT preconiza o deslocamento do viés de incidência da CCT da “atividade econômica preponderante” da empresa para as atividades profissionais dos próprios trabalhadores.

De todo modo, havendo a possibilidade de, na mesma base territorial, o sindicato laboral representativo da categoria diferenciada firmar mais de uma CCT, com sindicatos patronais distintos, em atenção à jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, há que se dar primazia, dentre as CCT´s existentes, àquela na qual a empresa licitante tenha sido representada pelo sindicato patronal respectivo.

SÚMULA Nº 374 DO TST
Empregado integrante de categoria profissional diferenciada não tem o direito de haver de seu empregador vantagens previstas em instrumento coletivo no qual a empresa não foi representada por órgão de classe de sua categoria.

Em face do conceito estabelecido no §3º do art. 511 da CLT (“estatuto profissional especial”), na fase de planejamento da contratação, a Administração dispõe de elementos suficientes para constatar se as categorias abrangidas no objeto do certame tratam-se ou não de “categorias diferenciadas”.

Em caso positivo, é fundamental que haja o alerta no edital acerca de tal fato e da necessidade da empresa considerar os parâmetros fixados na CLT no tocante às categorias diferenciadas e, quanto à vinculatividade da empresa às disposições da norma coletiva, o enunciado da Súmula nº 374 do TST. Tal observação é feita da seguinte forma nos editais de licitação do Senado Federal:

xx.x.x – É de responsabilidade da licitante a indicação do ACT/CCT, observando-se as regras instituídas na Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452/1943).

xx.x.x.x – Tratando as categorias profissionais referentes a esta contratação de “categorias diferenciadas” (art. 511, § 3º, da CLT), em relação à indicação da CCT nos termos do subitem xx.x.x, a licitante deverá observar a norma coletiva firmada pelo sindicato laboral representante da respectiva categoria, no âmbito territorial do Distrito Federal, observado o disposto na Súmula nº 374 do TST.

No mesmo contexto da “vinculação sindical plúrima do empregador terceirizante”, ainda que observada a responsabilidade da empresa por seu adequado enquadramento (o que impediria sua eventual desclassificação por “falha” na indicação da CCT), entende-se que a postura da Administração em avaliar a “razoabilidade” da convenção utilizada como parâmetro da composição de custos do posto de trabalho se mostra como medida apta a afastar a responsabilização subsidiária por débitos trabalhistas decorrentes de decisão da Justiça do Trabalho que venha a reconhecer a inadequação do enquadramento realizado pela contratada.

✍️ Artigo escrito por Victor Amorim

Fonte: ONLL – Observartório da Nova Lei de Licitações

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