Por: Lycia Torres e Jamil Santana
A Lei Federal 14.133/2021 trouxe consigo uma nova forma de desempenho das contratações públicas. Pontos interessantes que já existiam no ordenamento jurídico, via regras anteriores, ganharam ainda um maior destaque no cenário atual, como planejamento e fiscalização de contratos.
O planejamento é um vocábulo comum e nos remete à ideia de que as atividades humanas devem ser pensadas e preparadas com antecedência e não feitas de improviso[1], e por isso, devemos sua existência considerar no âmbito da administração pública.
Em que pese ser elevado a status de princípio jurídico apenas pela Nova Lei de Licitações e Contratos, Lei Federal nº 14.133/2021, desde 1967[2] o planejamento já era um dos princípios fundamentais da Administração Pública.
É importante entendermos a relevância dos princípios no ordenamento jurídico, especialmente pela sua valoração significativa no contexto atual da aplicação das normas. O nobre professor Marçal Justen Filho, sobre o tema, aponta que: “(…) o princípio consagra uma diretriz valorativa, que envolve a ponderação do aplicador. Por isso, o princípio não acarreta uma solução única a ser adotada de modo uniforme a todos os diversos casos. Ele comporta a adequação necessária às circunstâncias e aos valores envolvidos na situação concreta.”[3]
Dessa forma, percebemos que o princípio deve ser entendido como uma diretriz geral que deve ser seguida pelos aplicadores da norma, em decorrência das situações vivenciadas. Cabem aos gestores, ainda que não haja instrumentos definidos na norma, materializar a aplicação dos princípios e garantir o seu cumprimento, face a relevância da sua diretriz.
A aplicação do princípio concede também uma margem de discricionariedade e autonomia ao gestor, que dentro da valoração principiológico tem liberdade de atuar, de acordo com a situação concreta vivida.
Como princípio, o planejamento surge com o fito de organização das atividades administrativas, especialmente àquelas relacionadas as compras públicas. É o olhar hoje, para o futuro, conseguindo identificar as necessidades, precisando quantidades etc., e materializá-las em alguns instrumentos. Conforme Barral, “o planejamento cria uma visão global da situação e das alternativas existentes, possibilitando a gestão consciente dos recursos disponíveis e o afastamento dos riscos, mediante a elaboração de estratégias que otimizem os procedimentos e facilitem os resultados”[4].
Acontece que, o planejamento não deve ser uma preocupação apenas da equipe que atua na fase preparatória do procedimento licitatório. Longe disso! A fiscalização, enquanto dever da Administração, pode produzir efeitos preventivos[5] e colaborar sobremaneira no planejamento das futuras contratações.
De forma clara, o mestre Ronny Charles, ressalta ainda a necessidade de um efetivo planejamento, reiterando a necessidade de eficiência, de forma a evitar um excesso de burocracia e desvio de finalidade. Em suas palavras: “O que não se deve é prestigiar um planejamento meramente formal, que amplia custos transacionais, sem produzir resultados significativos, no aperfeiçoamento da pretensão contratual ou definição do objeto da licitação.”[6]
Para um planejamento eficaz e eficiente, o gestor público deve considerar as suas necessidades e os problemas vivenciados na situação concreta pois nessa fase deve existir a discussão com o intuito não apenas de previsão de demandas, mas de resolução de problemas. Ou seja, o agente público deve considerar a execução contratual, especialmente caso haja demanda anterior, no momento da realização do planejamento das contratações.
À vista disso, é recomendável que o gestor e fiscal do contrato participem da fase da concepção da contratação (planejamento), sem violação da segregação de função, apenas para que suas experiências e sugestões sejam devidamente consideradas, apreciadas e assim, resultem no aprimorem o instrumento contratual e editalício.
O respectivo tema já fora suscitado pelo TCU, em sede do Acórdão nº 3.016/2015-Plenário, vejamos:
recomendação ao (…) para que, relativamente às suas aquisições, implemente controles internos no sentido de que o fiscal do contrato de determinada solução armazene dados da execução contratual, de modo que a equipe de planejamento da contratação encarregada de elaborar os artefatos da próxima licitação da mesma solução ou de solução similar conte com informações de contratos anteriores (séries históricas de contratos de serviços contínuos), o que pode facilitar a definição das quantidades e dos requisitos da nova contratação, semelhantemente ao previsto no art. 67, § 1º, da Lei nº 8.666/1993 (item 9.3.3, TC-019.615/2015-9, Acórdão nº 3.016/2015-Plenário).
Extraímos, portanto, a importância de um acompanhamento efetivo da execução contratual, pelas figuras do fiscal e gestor de contrato. É indispensável que os fiscais de contrato anotem, em registro próprio, as ocorrências e proponham correções, além de certificar-se sobre:
- os resultados alcançados, com a verificação dos prazos de execução e da qualidade demandada;
- os itens e serviços entregues atendem à finalidade da administração, inclusive as marcas apresentadas;
- a qualidade e quantidade dos recursos materiais utilizados;
- logística de locais de entrega dos bens e realização de serviços;
- necessidades ao longo da execução contratual não prevista no contrato inicial;
- servidores com qualificação específica para acompanhamento da demanda;
- a adequação dos serviços prestados à rotina de execução estabelecida;
- especificações suficientes para execução contratual;
- o cumprimento das demais obrigações decorrentes do contrato; e
- a satisfação do público usuário, se possível.
Por óbvio, existem diversos outros aspectos na execução contratual que devem ser considerados no momento de realização do planejamento da contratação, especialmente nas contratações e aquisições que sejam corriqueiras ou que possuem similaridade com demandas existentes e que devem ser consideradas de acordo com a realidade de cada estrutura administrativa.
É imperioso ter cautela, face a necessidade de segregação de funções existentes também no ordenamento. A ideia de participação dos agentes que acompanham a execução contratual é para trazer as experiências vivenciadas em desempenhos de atividades anteriores com a finalidade de resolver os problemas ocorridos, resguardando o interesse público e a política pública que resultou na contratação e não direcionar ou fraudar o processo de contratação.
Por isso, devemos propor mecanismos que assegurem a lisura do processo de execução contratual e de planejamento das contratações, de modo que a figura do gestor e do fiscal de contrato sirva como instrumento de aprimoramento das contratações públicas, visando alcançar o objetivo do contrato administrativo.
Nesse sentido, para que a função seja exercida de modo efetivo e seu objetivo seja cumprido, é ideal que a designação do fiscal seja feita ainda na fase de preparo do certame, de modo que a sua experiência em contratações anteriores seja aproveitada na idealização da nova contratação.
Ao realizar a fiscalização e a gestão dos contratos administrativos, os agentes públicos devem adotar o registro de anotações, para que possam tabular todas as informações necessárias, de modo a contribuir com a melhora na redação do contrato e do edital, na correção da estimativa do objeto, nas rotinas de execução, bem como nos pontos que podem ser melhorados a partir das lições aprendidas pela observação da execução, se for o caso[7].
Diante de todo exposto, uma vez que acompanha a execução do contrato, a fiscalização é essencial para a fase de planejamento contratação, orientando a elaboração das rotinas a serem implementadas na próxima contratação.
[1] NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo – 5ª ed. – Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 111.
[2] Devido ao art. 6º, inciso I do Decreto-lei nº 200/1967, que dispõe sobre a organização da Administração Federal.
[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei 14.133/2021 – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
[4] Barral, Daniel de Andrade Oliveira Gestão e fiscalização de contratos administrativos / Daniel de Andrade Oliveira Barral. – Brasília: Enap, 2016.
[5] NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo – 5ª ed. – Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 1013.
[6] Torres, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas- 12 ed. Ver., ampl. E atual. – São Paulo: Ed. Juspodivim,2021.
[7] Barral, Daniel de Andrade Oliveira Gestão e fiscalização de contratos administrativos / Daniel de Andrade Oliveira Barral. – Brasília: Enap, 2016.
0 comentários