Falta pouco para o Deadline da aplicação da Lei nº 8.666/93 nos processos licitatórios, quais são as dúvidas e os desafios ainda enfrentados para a aplicação da Nova Lei de Licitações nº 14.133/2021?

1 de dezembro de 2022

Francis Cláudia Sacramento
Ana Cláudia Amaral

A nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133/2021 (BRASIL, 2021), tão esperada, entrou em vigor no dia 1º de abril de 2021 (e não é mentira!). A referida Lei possui o prazo de 02 anos a partir de sua publicação para aplicação obrigatória e revogação da lei anterior. Esse período foi pensado pelo legislador, para que tanto as empresas quanto a Administração Pública tivessem tempo para adaptar, entender e aplicar a nova legislação gradualmente.

Desta forma, considerando a mencionada necessidade de adequação dos entes públicos e dos contratados conforme os novos regramentos, o legislador optou pela manutenção dos arcabouços legislativos já existentes e realizou isso de forma concomitante, ou seja, a administração pode optar por licitar de acordo com a nova Lei ou com base nas Leis que serão revogadas decorrido o prazo de 2 anos – Lei nº 8.666/1993 (BRASIL, 1993), Lei nº 10.520/2002 (BRASIL, 2002) e vários dispositivos da Lei nº 12.462/2011 (BRASIL, 2011).

Observa-se que a nova Lei completou um ano de vigência em abril de 2022 e a sensação vista pela maioria dos servidores da Administração Pública é que esse tempo de convivência entre o regime anterior e o novo está passando muito rápido. Além disso, para piorar ainda mais a situação, há pouca aplicabilidade do novo ordenamento nos procedimentos licitatórios.

Assim, impreterivelmente, acredita-se que é importante conhecer as mudanças trazidas pela nova legislação, organizar as resoluções internas dos órgãos de acordo com a alteração legislativa e realizar treinamentos dos servidores para a aplicação do novo regramento, de modo que os objetivos da nova Lei de Licitações sejam atingidos e que a referida base legal obtenha a melhor e a mais vantajosa contratação para a Administração Pública.

Quando o Poder Legislativo elaborou o projeto da nova Lei de Licitações, trouxe regramentos contemporâneos, considerando que a Lei antiga, nº 8.666/93 (BRASIL, 1993), estava há muito tempo defasada, deixando de acompanhar as evoluções naturais da sociedade moderna, afinal são quase 20 anos de existência.

Não obstante, a razão para a elaboração de um novo projeto de Lei que abarque as contratações públicas no país é tornar o processo licitatório dos entes públicos vantajoso e eficiente, além de trazer maior competitividade para as empresas e a melhoria na economia do país, coibindo também a ocorrência de práticas contra o interesse da administração, não regulamentadas nas legislações anteriores.

Porém, sabe-se que o tempo está passando rápido para o fim da caminhada dupla entre a Lei nº 8.666/93 (BRASIL, 1993) e a Lei nº 14.133/2021 (BRASIL, 2021). A partir de 1 de abril de 2023 haverá um novo caminho a ser traçado por diversas mudanças e também com a permanência de alguns regramentos já existentes. Contudo, destaca-se a seguinte questão: será que a Administração Pública está preparada para trilhar esse novo caminho? Acredita-se que não! Pelo andar da carruagem, o início da aplicação da nova Lei será de muitos entraves e percalços.

Quais são as dificuldades encontradas na execução da nova Lei de Licitações?

Optar em utilizar a nova Lei de Licitações nos processos licitatórios não é tão simples como parece ser. Às vezes, mudanças diversas que são trazidas com o novo regramento necessitam de regulamentação interna dos órgãos, dedicação, estudos e cursos de capacitações para os representantes da administração, inclusive questões relacionadas ao desenvolvimento tecnológico, considerando a necessidade da criação de portais ou a adaptação dos próprios sistemas de execuções já existentes. Para que a nova Lei tenha uma eficácia plena, torna-se necessário não só a criação de aproximadamente 60 (sessenta) atos infralegais como também o ajuste no sistema de tecnologia de informação, nos quais darão suporte para as novas contratações eletrônicas. Não há como negar o paralelo existente entre a aplicação da nova Lei e o avanço tecnológico, considerando que ambos estão intrinsecamente relacionados.

Além dos ajustes técnicos e legais, diante de uma rápida análise da aplicação da nova Lei, os agentes da Administração Pública têm encontrado muitos obstáculos em relação ao processo de execução do novo regramento. Por exemplo, a Administração Pública Federal tem a orientação de utilizar as minutas dos modelos disponibilizados pela Advocacia Geral da União (AGU), enquanto base para os documentos da fase interna de licitação, tais como: edital, termo de referência, minuta de contrato etc. Entretanto, as minutas desses documentos ainda não foram disponibilizadas de acordo com a nova Lei de Licitações.

A situação indicada tem impactado nos órgãos Federais, além dos Estados e Municípios que, por segurança jurídica, muitas vezes recorrem aos documentos disponibilizados pela Comissão da AGU.

Dessa forma, questiona-se: como iniciar a contratação com base no novo regramento, uma vez que não há uma publicação por parte da AGU em relação às minutas e aos modelos de contrato? De fato, essa situação não apresenta segurança e incentivo aos gestores da Administração Pública, diante da aplicabilidade da nova Lei. Registra-se que, até a presente data, somente as minutas para as contratações diretas foram publicadas pela AGU, considerando a nova legislação.

Esse uso acanhado do novo novel pela Administração Pública pode ser percebido quando os dados dos processos realizados são verificados com base na legislação moderna. Segundo dados extraídos do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), até setembro de 2022 foram publicadas cerca de 40.000,00 contratações, sendo que a grande maioria delas resultam da dispensa de licitação eletrônica.

Percebe-se uma insegurança jurídica na aplicação da nova Lei e uma letargia por parte da grande maioria dos órgãos públicos, considerando a necessidade de capacitar antecipadamente os servidores para a fase preparatória, em consonância à Lei nº 14.133/2021 (BRASIL, 2021). Entretanto, entende-se que o tempo está passando rápido e o que se observa muito é uma “corrida espacial” dos agentes públicos rumo aos cursos de capacitação para a aplicação da nova Lei.

E agora? Como utilizar a nova legislação com todas essas dificuldades? É necessário realizar de imediato as capacitações e durante o tempo restante de convivência normativa entre a nova lei e a legislação anterior, aguardar a finalização da atualização do Portal Nacional de Compras Públicas (PNCP) e o preenchimento das lacunas ainda existentes para uma completa execução da nova Lei de Licitações.

Por essa razão, as partes atuantes dos processos licitatórios devem se dedicar aos estudos, às discussões e às capacitações sobre o novo regime, visando a preparação para a execução das diversas mudanças que ocorrerão nas contratações públicas.

É possível aplicar os instrumentos legais de forma cumulada, concomitante no mesmo processo administrativo?

Muita atenção! A resposta é não!

Apesar das duas Leis caminharem juntas nesse período de convivência normativa a Administração Pública deverá escolher qual regramento deve usar e, escolhendo o novo, por exemplo, toda a contratação – desde a fase interna até a execução do objeto pactuado – deverá ser com base em apenas uma legislação. É o que estabelece o art. 191 e os seguintes da nova Lei de Licitações.

Hoje os órgãos têm a faculdade de escolher, qual conjunto de regras deve utilizar, sendo estritamente vedada a combinação de ambas as Leis. Isso traz segurança jurídica tanto para os órgãos públicos como também para as empresas licitantes. Imagine só se, hipoteticamente, uma licitação para a aquisição de medicamentos estabelecesse a Lei n° 8.666/93 (BRASIL, 1993) no preâmbulo do edital e nas cláusulas do contrato utilizasse como regra a Lei nº 14.133/2021 (BRASIL, 2021), ora, tal fato seria incongruente na análise jurídica da questão e causaria insegurança jurídica para as partes licitantes.

É possível alterar a legislação no curso de execução do contrato?

Ao compulsar a nova legislação, verifica-se a impossibilidade de troca da base legal no curso da execução dos contratos, conforme preceituado no art. 191 abaixo destacado:

Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as Leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as Leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nele previstas durante toda a sua vigência (BRASIL, 2021, p. 68, grifo nosso).

 

Durante o curso da contratação, a impossibilidade da troca de regimes da legislação ocorre a fim de trazer segurança jurídica às partes, em especial para a Contratada, na qual deve conhecer as condições integrais da contratação antes da assinatura do contrato, sob pena de trazer prejuízo e até mesmo a impossibilidade de atender às necessidades da Administração.

Ora, se a Administração tivesse o condão de permitir trocas de legislações ou até mesmo a mistura dos instrumentos no curso da contratação, poderia inviabilizar o cumprimento contratual pelo Contratante, uma vez previsto os regramentos nos quais a Contratada desconhecia à época, o que inclusive poderia trazer reflexos econômicos, não previstos quando do momento da precificação do serviço e da oferta de lances.

Desta forma, o legislador acertou ao restringir o uso/aplicabilidade dos instrumentos legislativos, garantindo maior segurança jurídica e transparência da contratação.

Em suma, apesar das dificuldades encontradas, é necessário que os órgãos da Administração Pública utilizem os novos caminhos oferecidos pela recente legislação, tendo em vista que, quanto mais cedo os operadores das contratações públicas enfrentarem os obstáculos, as soluções encontradas servirão para aperfeiçoar o sistema de compras e contratações públicas do país.

Além disso, e em especial, a iniciativa dos novos procedimentos licitatórios baseados na nova Lei serão primordiais, não só para os órgãos públicos como também para que as empresas possam adequar os seus setores financeiro/contábil, administrativo e jurídico. A legislação voltada para a contratação pública somente existe porque há empresas que participam e prestam serviço/aquisição para os entes públicos e por isso, elas também precisam se adequar aos regramentos da nova legislação.

E você, está preparado?

 


 

Referências

BITTENCOURT, Sidney. Nova Lei de Licitações passo a passo: comentando, artigo por artigo, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Belo Horizonte: Fórum, 2021.

BRASIL. Lei nº 8.666/1993, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em 10 jun. 2022.

BRASIL. Lei nº 10.520/2002, de 17 de julho de 2002. Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10520.htm. Acesso em 10 jun. 2022.

BRASIL. Lei nº 12.462/2011, de 4 de agosto de 2011. Institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC; altera a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, a legislação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a legislação da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero); cria a Secretaria de Aviação Civil, cargos de Ministro de Estado, cargos em comissão e cargos de Controlador de Tráfego Aéreo; autoriza a contratação de controladores de tráfego aéreo temporários; altera as Leis nºs 11.182, de 27 de setembro de 2005, 5.862, de 12 de dezembro de 1972, 8.399, de 7 de janeiro de 1992, 11.526, de 4 de outubro de 2007, 11.458, de 19 de março de 2007, e 12.350, de 20 de dezembro de 2010, e a Medida Provisória nº 2.185-35, de 24 de agosto de 2001; e revoga dispositivos da Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12462.htm. Acesso 25 mai. 2022.

BRASIL. Lei nº 14.133/2021, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm. Acesso em 25 mai. 2022.

FORTINI, Cristiana; OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de; CAMARÃO, Tatiana (Coords.) Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Belo Horizonte: Fórum, 2022. Veja mais em: https://www.sollicita.com.br/Noticia/?p_idNoticia=19273&n=pesquisa-de-pre%C3%A7os-vs-inexigibilidade.

NARDONE, José Paulo. Desafios e oportunidades do primeiro ano da nova Lei de Licitações e Contratos. Zenite Blog, 2022. Disponível em: https://zenite.blog.br/desafios-e-oportunidades-do-primeiro-ano-da-nova-lei-de-licitacoes-e-contratos/. Acesso em 18 jun. 2022.

PORTAL NACIONAL DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS – PNCP. Disponível em: https://www.gov.br/pncp/pt-br. Acesso em 12 de set. 2022.

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