CARÁTER GERAL DAS NORMAS E COMPETÊNCIA PARA REGULAMENTAÇÃO

22 de setembro de 2022

Debate interessante envolve a aplicação obrigatória dos regulamentos editados pela União, em matéria licitatória, nos procedimentos dos outros entes da Administração. É possível e exigível ou não?

Não estamos aqui falando sobre a aplicação facultativa dos regulamentos federais, pelos demais entes. É interessante como, pela qualidade técnica, instruções normativas federais, produzidas pela SEGES/ME, ou mesmo as minutas padronizadas de editais, produzidas pela Advocacia Geral da União, passaram a ser aplicadas em larga escala pelos órgãos dos demais entes da federação, através de uma interessante “legitimação técnica”, conquistada a priori pela qualidade do que foi produzido.

A questão aqui tratada envolve a possibilidade de imposição obrigatória da regulamentação federal sobre o tema licitações e contratos, aos demais entes da federação. Seria possível?

Joel de Menezes Niebuhr defende que os decretos federais que regulamentam regras de licitação não se aplicam em relação aos estados e municípios[1]. Opinião semelhante parece ter Marçal Justen Filho[2]. Segundo esses autores, a União não dispõe de competência para editar regulamento vinculante para todas as esferas federativas.

Realmente, conforme dito anteriormente, a competência privativa da União restringe-se às pertinentes normas gerais licitatórias. A própria prerrogativa estabelecida pelo artigo 22 da Constituição Federal expressamente se refere a uma competência privativa para “legislar”, o que não envolve a atuação regulamentar do Chefe do Poder Executivo.

Contudo, convém registrar a interessante opinião do Professor Sidney Bittencourt. Para ele, possuindo a disposição da Lei federal caráter de norma geral, sua regulamentação pela União também teria caráter geral, sendo aplicável aos demais entes[3]. Pelo seu raciocínio, o Poder Regulamentar não deveria ser exercido por esfera federativa diferente daquela competente pela aprovação da Lei regulamentada, o que é um argumento relevante.

Bom frisar, isto apenas seria admissível em relação aos preceitos materialmente gerais da Lei e, mesmo assim, quando a disposição do Decreto contivesse aspecto estritamente regulamentar (não sendo válida para disposições de caráter hierárquico). Tal corte poderia ser vislumbrado, por exemplo, nos dispositivos do Decreto federal nº 10.024/2019, quando buscou explicar o conceito aberto dado pelo legislador, na Lei nº 10.520/2002, para bens e serviços comuns. Tratou-se de dispositivo materialmente geral da Lei, cuja pertinente disposição do Decreto buscou explicar a aplicação. Por outro lado, quando o Decreto federal nº 10.024/2019 tratou sobre a obrigatoriedade de adoção do pregão eletrônico, não representou manifestação do poder regulamentar, mas do poder hierárquico.

É um tema instigante, que exige profundas reflexões!

No geral, posicionamo-nos de forma semelhante à defendida pelos ilustres Joel Niebuhr e Marçal Justen Filho. Contudo, parece-nos que o raciocínio defendido pelo também ilustre Professor Sidney Bittencourt deve ser reconhecido como aplicável, ao menos em relação a alguns pontos de regulamentação da Lei.

Assim, por exemplo, será o Executivo Federal, de maneira privativa, que disciplinará a regulamentação do Portal Nacional de Contratações Públicas (art. 174), a atualização regulamentar dos valores fixados pela Lei nº 14.133/2021 (art. 182), a regulamentação das contratações realizadas no âmbito das repartições públicas sediadas no exterior (art. 1º, §2º), a regulamentação da margem de preferência para bens manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras (art. 26, I).

Em suma: embora entendamos que, em princípio, por ter o regulamento a função precípua de explicar a execução da Lei, adentrando suas minúcias, seu disciplinamento não terá o contorno de norma geral, em algumas hipóteses excepcionais a atuação regulamentar justificará uma competência privativa admitida ao Chefe do Executivo Federal, pelo contorno necessariamente geral a ser obtido pela regulamentação.


[1].      NIEBUHR, Joel de Menezes. Pregão presencial e eletrônico. 8ª edição. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2020. P. 50/51.

[2].      JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão: Comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 4ª Edição. São Paulo: Dialética. 2005. P. 11.

[3].      BITTENCOURT, Sidney. Pregão eletrônico. Rio de Janeiro: Temas &Idéias, 2003. P. 29.

AUTOR:
Ronny Charles L. de Torres
Advogado da União. Doutorando em Direito do Estado pela UFPE. Mestre em Direito Econômico pela UFPB. Pós-graduado em Direito tributário (IDP). Pós-graduado em Ciências Jurídicas (UNP). Membro da Câmara Nacional de licitações e contratos da Consultoria Geral da União. Membro fundador do INCP. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (13ª Edição. Ed. JusPodivm);

OBSERVAÇÃO:
Texto baseado em trecho da 13ª edição do nosso livro Leis de licitações públicas comentadas.

 

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