Convocação de Licitante Remanescente na Nova Lei de Licitações e uma Proposta de Modelo para Negociação

2 de setembro de 2021

Ronny Charles L. de Torres[1]

Uma situação recorrente nas licitações públicas é aquela em que o licitante convocado para assinar o termo de contrato, foge a essa convocação e faz-se necessário abrir procedimento com relação aos demais licitantes (licitante remanescente), para garantir o atendimento da pretensão contratual. Uma ponderação econômica interessante envolve a seguinte questão: qual a melhor solução para conseguir a efetivação desta contratação, com uma condição interessante para a Administração Pública?

Importa salientar que, para essas situações, o procedimento adotado pela Nova Lei de Licitações e Contratos diverge do procedimento outrora adotado pela Lei nº 8.666/93, bem como do procedimento adotado pela Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão).

Nas legislações anteriores foi ignorado que o procedimento licitatório é marcado por uma forte assimetria de informações, que pode restar acentuada em momentos estratégicos, como ocorre em uma negociação ou na identificação do preço exequível para a execução contratual.

Pela Lei nº 8.666/93, era facultado à Administração, quando o convocado não assinasse o termo de contrato ou instrumento equivalente, convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para fazê-lo em igual prazo e “nas mesmas condições propostas pelo primeiro classificado”. Não era incomum que os licitantes remanescentes responsáveis tivessem dificuldade em aceitar essa equiparação de propostas.

 Já na Lei do Pregão, caso o licitante convocado não celebrasse o contrato, o pregoeiro poderia examinar as ofertas subsequentes e a qualificação dos licitantes, na ordem de classificação, até a apuração de um fornecedor que atendesse ao edital, para declará-lo vencedor. Sendo natural que o pregoeiro tentasse negociar a redução do preço do licitante remanescente, sempre resistia certa dúvida sobre qual o patamar de negociação poderia ser realmente alcançado, o que tornava o procedimento pouco eficiente. Por exemplo: se o licitante remanescente oferecesse uma redução de 3%, este percentual seria uma negociação efetivamente vantajosa ou ele estava aproveitando-se de uma posição privilegiada para oferecer uma redução bem menor do que a possível? A assimetria de informação dificultava uma definição precisa por parte do pregoeiro.

Pois bem, segundo o parágrafo §2º do artigo 90 da Lei nº 14.133/2021, quando o convocado não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou não retirar o instrumento equivalente no prazo e nas condições estabelecidas, a Administração poderá convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a celebração do contrato nas condições propostas pelo licitante vencedor.

Deve-se levar em consideração que, muitas vezes, quando uma empresa abdica da assinatura do contrato, é porque sua proposta foi apresentada de forma irresponsável ou irregular (por exemplo, com preços inexequíveis).

Compreendendo isso, a nova Lei também estabelece que, na hipótese em que nenhum dos licitantes aceite a contratação nas mesmas condições propostas pelo licitante vencedor, a Administração poderá, observados o valor estimado e sua eventual atualização, nos termos do edital:

  1. convocar os licitantes remanescentes para negociação, na ordem de classificação, com vistas à obtenção de preço melhor, mesmo que acima do preço do adjudicatário;
  2. adjudicar e celebrar o contrato nas condições ofertadas pelos licitantes remanescentes, atendida a ordem classificatória, quando frustrada a negociação de melhor condição.

Isso porque o procedimento do §2º é complementado pelo procedimento do §4º.

Assim, diante da recusa ou omissão do licitante vencedor, a Administração poderá convocar os licitantes remanescentes, seguindo estritamente a ordem de classificação, para celebrar o contrato nas condições propostas pelo licitante vencedor.

Caso nenhum dos licitantes remanescentes aceite a contratação nas condições ofertadas pelo licitante vencedor, a Administração Pública poderá convocá-los, na ordem de classificação, para a celebração do contrato, sempre respeitando o orçamento estimado atualizado como limite para tal contratação.

Nesta convocação, seguindo a ordem de classificação, de acordo com o inciso I do §4º, a Administração deverá fazer uma rodada com os licitantes remanescentes, para negociação, mesmo que acima do preço do licitante vencedor.

A Lei não explica como deve ser feita esta negociação, porém, é necessária a previsão de um formato que evite discussões posteriores sobre eventual desrespeito à isonomia, tendo em vista a sequência negocial.

Uma sugestão para simplificar este momento procedimental, é que a Administração adote uma modelagem similar ao leilão holandês, que funciona de forma diversa ao leilão inglês. No leilão holandês, é definido um determinado patamar de preço, que vai sendo diminuído de forma contínua, até que um dos interessados interrompa o leilão, adquirindo o objeto pelo preço apresentado[2]. Assim, ao iniciar a rodada, seria estabelecido um preço mínimo (acima do preço do licitante vencedor) para tentativa de aceitação entre os licitantes. Em princípio, este preço deve ser inferior ao do segundo colocado, já que para este haveria vinculação ao preço proposto.

Não vemos impedimento a que tal procedimento de negociação seja feito mais de uma vez, caso nenhum dos licitantes aceite o valor proposto, com paulatino aumento do preço negociado, até que um deles, respeitando-se a ordem de classificação, aceitasse firmar a contratação no valor negociado.

Ultrapassada essa(s) rodada(s) de negociação, o órgão poderá passar para a alternativa admitida pelo inciso II do §4º, que é de adjudicar a contratação ao licitante remanescente, respeitada a ordem de classificação, pelo preço ofertado por ele próprio.

Os licitantes remanescentes têm a opção de aceitar ou não a contratação, nas condições da vencedora que frustrou o certame ao não assinar o contrato. Caso decidam negar-se à contratação, não podem ser punidos por essa escusa.

Contudo, quando convocados à contratação de acordo com suas próprias propostas, como definido pelo inciso II do §4º, a recusa à contratação pode submeter o licitante remanescente à abertura de processo sancionatório, ao menos é o que se depreende da leitura conjunta dos §4º, §5 e §6º do artigo 90, da Lei nº 14.133/2021.

Trata-se, portanto, de um interessante modelo para a definição do preço de contratação do licitante remanescente, que pode ser aprimorado com a adoção da técnica do leilão holandês, para a fase de negociação. Este procedimento pode ser automatizado e certamente traz maiores incentivos para que os licitantes remanescentes ofereçam preços mais interessantes para a Administração.

[1] Advogado da União. Doutorando em Direito do Estado pela UFPE. Mestre em Direito Econômico pela UFPB. Pós-graduado em Direito tributário (IDP). Pós-graduado em Ciências Jurídicas (UNP). Membro da Câmara Nacional de licitações e contratos da Consultoria Geral da União. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (10ª Edição. Ed. JusPodivm); Administrativo (Coautor. 10ª Edição. Ed. Jus Podivm); RDC:  Regime Diferenciado de Contratações (2ª edição. Coautor. Ed. Jus Podivm); Terceiro Setor: entre a liberdade e o controle (Ed. Jus Podivm), Licitações e contratos nas empresas estatais (2ª edição. Coautor. Ed. Jus Podivm). Improbidade administrativa (Coautor. 4ª edição. Ed. Jus Podivm).

[2] LIRA, Bruno; NÓBREGA, Marcos. O Estatuto do RDC é contrário aos cartéis em licitação? Uma breve análise baseada na teoria dos leilões. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 9, n. 35, p. 37-60, out./dez. 2011.


*Texto baseado em trecho da 12ª edição do livro Leis de licitações públicas comentadas (no prelo)

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1 Comentário

  1. IVO DA COSTA FERREIRA

    Quanto á contratação direta de obra, serviço ou fornecimento, em consequência de rescisão contratual, não existe essa possibilidade na Lei 14.133, de 2021.

    Responder

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