A ADESÃO DE ATA DE REGISTRO DE PREÇOS MUNICIPAIS NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES: por uma necessária interpretação conforme à Constituição do §3º do art. 86 da Lei nº 14.133/2021

19 de julho de 2021

VICTOR AGUIAR JARDIM DE AMORIM
Doutorando em Constituição, Direito e Estado pela UnB. Mestre em Direito Constitucional pelo IDP. Coordenador do Curso de Pós-graduação em Licitações e Contratos Administrativos do IGD. Professor de pós-graduação do ILB, IDP, IGD e CERS. Por mais de 13 anos, atuou como Pregoeiro no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (2007-2010) e no Senado Federal (2013-2020). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA), do Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro (IDASAN) e do Instituto Nacional da Contratação Pública (INCP). Advogado atuante em Direito Administrativo Concorrencial. Site: www.victoramorim.com

 

A Lei nº 14.133/2021, nos §§2º a 8º do art. 86, incorpora em ato normativo primário a possibilidade de adesão tardia à ARP, assim como historicamente previsto no art. 8º do Decreto Federal nº 3.931/2001 e no art. 22 do Decreto Federal nº 7.892/2013.

Dessa forma, resta permitido a qualquer órgão e entidade que não tenha assumido, na época própria, a posição formal de Órgão Participante, a utilização da Ata de Registro de Preços – daí a designação “carona”.

Tal utilização, porém, não se dá de forma plena, como ocorre com os órgãos inicialmente admitidos com Órgãos Participantes, em vista de a “adesão” ficar sujeita às seguintes condições:

a) apresentação de justificativa da vantagem da adesão, inclusive em situações de provável desabastecimento ou descontinuidade de serviço público;

b) demonstração de que os valores registrados estão compatíveis com os valores praticados pelo mercado na forma do art. 23 da NLL;

c) prévias consulta e aceitação do órgão ou entidade gerenciadora e do fornecedor.

LIMITES DE ADESÃO NO CASO DE “CARONA”
(§§4 e 5º do art. 86 da NLL)

LIMITE DE ADESÃO POR ÓRGÃO OU ENTIDADE
(limite individual)
As aquisições ou contratações decorrentes da adesão não poderão exceder, por órgão ou entidade, a 50% (cinquenta por cento) dos quantitativos registrados na ARP.
LIMITE TOTAL DE ADESÃO DA ARP
(limite global)
O quantitativo decorrente das adesões não poderá exceder, na totalidade, ao dobro do quantitativo de cada item registrado na ARP, independentemente do número de órgãos não participantes que aderirem.

 

Para as contratações destinadas a “execução descentralizada de programa ou projeto federal” ou para “aquisição emergencial de medicamentos e material de consumo médico-hospitalar”, as adesões tardias não estarão sujeitas ao limite global de que trata o §5º do art. 86 da Lei nº 14.133/2021.

Como nítida norma de caráter específico, o §8º do art. 86 da Lei nº 14.133/2021 estabelece ser vedado aos órgãos e entidades da Administração Pública Federal a adesão à ARP gerenciada por órgão ou entidade estadual, distrital ou municipal. Não há novidade quanto a esse ponto, tendo em vista a previsão já externada no §8º do art. 22 do Decreto Federal nº 7.892/2013[1].

Por sua vez, o §3º do mesmo art. 86 preconiza ser a faculdade de adesão à ARP “limitada a órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal que, na condição de não participantes, desejarem aderir à ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora federal, estadual ou distrital”. A seguir a literalidade do dispositivo, diante da ausência de menção aos órgãos municipais como gerenciadores, poder-se-ia chegar ao entendimento quanto à impossibilidade de ARP´s municipais serem aderidas.

Em nossa compreensão, deve ser conferida ao §3º uma interpretação conforme à Constituição da República, porquanto a conclusão pela impossibilidade de adesão de ARP municipal atentaria contra a estrutura federativa do Estado brasileiro, constituindo um discrimen injustificado em relação a um dos entes da Federação – o Município -, autônomo como os demais. Afinal, por qual razão uma ARP municipal não poderia ser aderida por outros entes?

Ainda que se diga que o “legislador” buscou proibir a chamada “adesão verticalizada”, não há razão para vedar adesão de ARP municipal por parte de um outro órgão municipal. Em outras palavras: mesmo que se acredite na tese da proibição da adesão verticalizada, ela não seria aplicável a entes da mesma natureza (Município). Logo, o raciocínio tendente à proibição de adesão seria contraditório em vista de sua premissa central.

De toda forma, em termos substanciais, a norma do §3º seria de cunho específico, não obstando, pois, que Estados, Distrito Federal e Municípios, em sua legítima competência normativa concorrente sobre a matéria, tratem o assunto de maneira diversa em relação às suas respectivas estruturas organizacionais.

Por fim, extrai-se dos §§3º e 8º do art. 86 da NLL as seguintes conclusões:

a) a permissão de adesão tardia à ARP trata-se de uma norma de caráter geral;

b) a vedação de adesão por parte de órgãos e entidades federais à ARP gerenciada por órgão ou entidade estadual, distrital ou municipal é norma de caráter específico, tendo por destinatários apenas a Administração Pública Federal direta, autarquia e fundacional;

c) não há vedação de adesão por parte de órgãos e entidades estaduais, distritais e municipais de ARP gerenciada por órgão ou entidade federal e de outros Estados e do Distrito Federal;

d) há que se conferir uma interpretação conforme a CRFB acerca do §3º do art. 86 no sentido de ser considerada como apta à adesão às atas de registro de preços gerenciadas por órgão ou entidade municipal.

[1] Cumpre observar que tal previsão regulamentar foi baseada em entendimento externado pelo TCU (v.g., Acórdão nº 3.625/2011 – 2ª Câmara), tendo por premissa a ocorrência prática de mitigação do princípio da publicidade, porquanto a divulgação de ARP´s estaduais e municipais não teriam abrangência nacional. Contudo, diante da previsão da necessária publicidade das ARP´s no PNCP, parece ser paradoxal a positivação da vedação à adesão verticalizada por parte de órgãos e entidades federais.

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