A centralização das compras públicas e os consórcios municipais: alternativas de gestão eficiente na Nova Lei de Licitações

11 de julho de 2021

Por Viviane Mafissoni*

Um dos aspectos relevantes da Lei nº 14.133 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLC), publicada em 1º de abril de 2021, é a previsão expressa quanto à possibilidade de estados e municípios se utilizarem de regulamentos emitidos pela União[1] e a previsão sobre a possibilidade, preferencial, de municípios com até de 10.000 habitantes se consorciarem para aquisições e contratações “compartilhadas”[2].

Em preliminar, cumpre refletir sobre a autonomia constitucional normativa que estados e municípios possuem para emitir regulamentos próprios. Contudo, a possibilidade de se utilizarem de regras licitatórias construídas pela União, pode sim ser uma boa opção, desde que compatível, principalmente, com a realidade local. É fato que alguns municípios, e até mesmos estados, ainda sofrem com a construção de equipes técnicas em compras e com a necessidade de adequação de suas estruturas com a observância da segregação de função e de regras de governança.

Pois então, você já pensou sobre a possibilidade de municípios se organizarem em consórcio para executar compras compartilhadas, a exemplo de aquisições de bens ou contratações de serviços por ata de registro de preços? Te parece uma alternativa possível? Legalmente a nova norma que rege as licitações no âmbito da administração direta, autarquias e fundações traz a possibilidade, prevista nas suas disposições transitórias, no parágrafo único do artigo 181, que trata da preferencial organização das unidades de compras em “centrais de compras”, buscando atingir, em especial, um dos princípios previstos no art. 5º da Nova Lei[3]: o da eficiência.

O mestre e professor Ronny Charles, na obra Leis de Licitações Públicas Comentadas, destaca exatamente isso. Ou seja, “o princípio da eficiência induz a cooperação entre entes para o aperfeiçoamento das contratações públicas”[4]. E segue afirmando que a constituição de consórcios para municípios, além de ser uma opção válida, é exitosa.

A Lei nº 11.107/2004[5], que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos, permite que entes se consorciem para atingimento de objetivos comuns.

Essa alternativa, além de se mostrar válida e eficiente, pode permitir o atendimento, em especial para com os municípios “pequenos”, da necessidade de segregação de funções previstas na Nova Lei de Licitações. Se pensarmos sob o enfoque de dividir as etapas de um procedimento licitatório entre os consorciados, como forma de um produzir o estudo técnico preliminar, outro o termo de referência, outro a pesquisa de preços, outro o edital, outro a condução da licitação, e outro a gestão de ata de registro de preços, a escassez de equipes técnicas restariam supridas.

Mas o que seria essa “segregação de funções”? O artigo 7º, § 1º[6] da NLLC prevê que a autoridade máxima do órgão ou entidade observe o princípio da segregação de funções, de modo que evite a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, como forma de evitar erros e fraudes nos procedimentos.

Então, para os municípios que a Lei destaca que preferencialmente se reúnam em consórcios, além do atingimento da eficiência, teríamos mais um aspecto da lei cumprido: a necessidade de observância da segregação de funções. Associações de municípios e/ou demais entidades que fomentam a gestão municipal podem auxiliar o consórcio, estimulando a orientação local para normatização e padronização de modelos de termos de consórcio e modelos de editais. Por conseguinte, a providência pode gerar um avanço na transparência dos atos e no combate a fraudes em procedimentos licitatórios, tais como direcionamento da licitação, sobrepreço, entre outros, vez que a divisão de etapas e de responsabilidades fará com que haja um controle maior dos atos pelos entes envolvidos, revisando etapas anteriores executadas e aperfeiçoando medidas.

Em conclusão, o discurso acima tratado pode servir não só para atingir municípios de até 10.000 habitantes e respeitar a segregação, como também para juntar demais municípios ou até estados, no sentido de unir esforços, buscar economicidade, padronização e expertise técnica, assim como evitar fraudes em licitações. Bora lá unir esses esforços?

 


* Viviane Mafissoni, Advogada – OAB/RS 67.017; Especialista em Direito Público; Analista de Projetos e Políticas Públicas do Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Sul; Assessora Especializada em Licitações na Subsecretaria da Administração Central de Licitações, vinculada à Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do Estado.

[1] Art. 187. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão aplicar os regulamentos editados pela União para execução desta Lei.

[2] Art. 181. Os entes federativos instituirão centrais de compras, com o objetivo de realizar compras em grande escala, para atender a diversos órgãos e entidades sob sua competência e atingir as finalidades desta Lei.

Parágrafo único. No caso dos Municípios com até 10.000 (dez mil) habitantes, serão preferencialmente constituídos consórcios públicos para a realização das atividades previstas no caput deste artigo, nos termos da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005.

[3] Art. 5º. Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

[4] Torres, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas – 12. Ed.rev., ampl. e atual. – São Paulo: Ed. Juspodivm, 2021. Fl. 827.

[5] Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm

[6] Art. 7º. § 1º. A autoridade referida no caput deste artigo deverá observar o princípio da segregação de funções, vedada a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação.

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