Quando a timidez cede lugar à expressão – uma análise sobre o papel da gestão e fiscalização de contratos à luz do PL 4.253/2020

16 de março de 2021

Lindineide Oliveira Cardoso[1]
Esp.Jamil Manasfi da Cruz[2]

            A velha, ainda vigente, e, aparentemente “recatada” Lei Geral de Licitações e Contratos estabelece em seu art. 67 que a administração deve nomear um representante especialmente designado para acompanhar e fiscalizar o contrato celebrado.

            Ao lado da exigência de garantia, da possibilidade de alteração e de rescisão unilateral e de aplicação de penalidades, o dever de fiscalizar a execução dos contratos figura como uma das prerrogativas dos contratos administrativos (art. 58, III).

            PÉRCIO[3] (2020, p. 199) explica-nos que “mais do que prerrogativa, a fiscalização da execução contratual é um dever da Administração, intransferível e irrenunciável, competindo-lhe zelar para que o fim público representado pelo contrato seja alcançado.”

            É peremptório que, quando o assunto é gestão e fiscalização de contratos não existe um modelo rígido a ser seguido, cumprindo a cada órgão ou entidade regulamentar, de acordo com sua estrutura e funcionalidade, o poder-dever de acompanhar e fiscalizar continuamente a execução de seus contratos.

            Além da disposição do art. 67 da LLC nº 8.666/1993, o art. 11 do Decreto nº 9.507/2018[4] estabelecia que a Administração indicaria um gestor do contrato que seria o responsável pelo seu acompanhamento e fiscalização, até bem pouco tempo não havia normativo que disciplinasse de forma distinta as atividades de gerir e fiscalizar contratos, ficando a tarefa mais a cargo da doutrina ou de normativos e manuais internos dos órgãos/entidades.

            Um dos instrumentos que tratou de melhor detalhar o assunto foi a Instrução Normativa SEGES/MPDG nº 05/2017[5], que, além de distinguir objetivamente as duas funções, incorporou à figura do fiscal as categorias de fiscal técnico, fiscal administrativo, fiscal setorial e a fiscalização pelo público usuário.

            Ocorre que, a correta distinção e especificação detalhada das atividades, por si sós, não tiveram o condão de sanar os problemas ligados à deficiência no acompanhamento da execução contratual, isso porque surgem dois novos problemas: (i) a carência de pessoal para a distribuição de cada uma das atividades entre os vários atores trazidos pela IN; e, (ii) a falta de conhecimento sistêmico do processo de contratação pelos agentes ora designados.

            O primeiro problema exige dos gestores públicos uma preocupação latente com a melhoria do macroprocesso de contratação, corrigindo distorções, regulamentando e manualizando procedimentos; já o segundo problema, de igual forma também requer a atuação da alta gestão no sentido de garantir a constante capacitação dos diversos atores envolvidos nas contratações.

            Sendo certo que ninguém dirige olhando para o retrovisor e sim olhando para a frente, acreditamos que um breve olhar para trás também serve de proteção, logo, em que pese a timidez da LLC nº 8.666/1993 ao assentar que a fiscalização caberia meramente a “um representante” especialmente designado para acompanhar o contrato, de notar-se que o avançar do tempo, a mudança de foco da Administração desviando seu olhar para o resultado, e, inegavelmente, a urgência  ainda vivenciada do surto da pandemia da Covid-19 demonstraram que a gestão e a fiscalização de contratos administrativos precisa atuar assumindo, efetivamente, o papel de protagonistas, quer seja atuando no acompanhamento da contratação, no auxílio à elaboração dos artefatos que subsidiarão novos contratos, ou, ainda, contribuindo para adoção das variáveis de sustentabilidade em todas as etapas da contratação.

            Nessa linha, o Projeto de Lei nº 4.253/2020 que tramita no Senado e na sessão do último dia 23 foi retirado de pauta, ao anunciar a futura “nova lei de licitações e contratos administrativos”, ascende a figura dos agentes responsáveis pela fiscalização a um “outro patamar”, nada simplório, inovando na medida em que, do início ao fim do seu texto, declara, expõe, argumenta, provoca a gestão e a fiscalização do contrato a reinventar-se e a não cair na mesmice.

            O presente artigo resumido, visa tão somente demonstrar que a “nova futura lei de licitações e contratos” deixa a timidez de lado e abraça a expressão, visto que acende um farol, porque não dizer um refletor, para as atividades de gerir e fiscalizar de contratos,  ricamente retratadas ao longo de seu texto, conforme se constata nos seguintes artigos:

Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:
(…)
XVI – serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra: aqueles cujo modelo de execução contratual exige, entre outros requisitos, que:
(…)
c) o contratado possibilite a fiscalização pelo contratante quanto à distribuição, controle e supervisão dos recursos humanos alocados aos seus contratos;
XXIII – termo de referência: documento necessário para a contratação de bens e serviços, que deve conter os seguintes parâmetros e elementos descritivos:
(…)
f) modelo de gestão do contrato, que descreve como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade;
XXV – projeto básico: conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado para definir e dimensionar a obra ou o serviço, ou o complexo de obras ou de serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegure a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos:
(…)
e) subsídios para montagem do plano de licitação e gestão da obra, compreendidos a sua programação, a estratégia de suprimentos, as normas de fiscalização e outros dados necessários em cada caso;

Art. 8º A licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame, até o envio à homologação.
(…)
§ 3º As regras relativas à atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos de que trata esta Lei serão estabelecidas em regulamento, e deverá ser prevista a possibilidade de eles contarem com o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno para o desempenho das funções essenciais à execução do disposto nesta Lei.

Art. 14. Não poderão disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente:
(…)
IV – aquele que mantenha vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou que deles seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação;

Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:
(…)
§ 1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos:
(…)
X – providências a serem adotadas pela Administração previamente à celebração do contrato, inclusive quanto à capacitação de servidores ou de empregados para fiscalização e gestão contratual;

Art. 25. O edital deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação, à fiscalização e à gestão do contrato, à entrega do objeto e às condições de pagamento.

Art. 40. O planejamento de compras deverá considerar a expectativa de consumo anual e observar o seguinte:
(…)
§ 3º O parcelamento não será adotado quando:
I – a economia de escala, a redução de custos de gestão de contratos ou a maior vantagem na contratação recomendar a compra do item do mesmo fornecedor;

Art. 47. Poderão ser objeto de execução por terceiros as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituam área de competência legal do órgão ou da entidade, vedado à Administração ou a seus agentes, na contratação do serviço terceirizado:
(…)
Parágrafo único. Durante a vigência do contrato, é vedado ao contratado contratar cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, de dirigente do órgão ou entidade contratante ou de agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação.

Art. 91. São necessárias em todo contrato cláusulas que estabeleçam:
(…)
XVIII – o modelo de gestão do contrato, observados os requisitos definidos em regulamento;

Art. 103. O regime jurídico dos contratos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, as prerrogativas de:
(…)
III – fiscalizar sua execução;

Art. 116. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por 1 (um) ou mais fiscais do contrato, representantes da Administração especialmente designados conforme requisitos estabelecidos no art. 7º desta Lei, ou pelos respectivos substitutos, permitida a contratação de terceiros para assisti-los e subsidiá-los com informações pertinentes a essa atribuição.
§ 1º O fiscal do contrato anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas à execução do contrato, determinando o que for necessário para a regularização das faltas ou dos defeitos observados.
§ 2º O fiscal do contrato informará a seus superiores, em tempo hábil para a adoção das medidas convenientes, a situação que demandar decisão ou providência que ultrapasse sua competência.
§ 3º O fiscal do contrato será auxiliado pelos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração, que deverão dirimir dúvidas e subsidiá-lo com informações relevantes para prevenir riscos na execução contratual.
§ 4º Na hipótese da contratação de terceiros prevista no caput deste artigo, deverão ser observadas as seguintes regras:
I – a empresa ou o profissional contratado assumirá responsabilidade civil objetiva pela veracidade e pela precisão das informações prestadas, firmará termo de compromisso de confidencialidade e não poderá exercer atribuição própria e exclusiva de fiscal de contrato;
II – a contratação de terceiros não eximirá de responsabilidade o fiscal do contrato, nos limites das informações recebidas do terceiro contratado.

Art. 119. O contratado será responsável pelos danos causados diretamente à Administração ou a terceiros em razão da execução do contrato, e não excluirá nem reduzirá essa responsabilidade a fiscalização ou o acompanhamento pelo contratante.

Art. 120. Somente o contratado será responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
(…)
§ 2º Exclusivamente nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, a Administração responderá solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado.

Art. 121. Na execução do contrato e sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, o contratado poderá subcontratar partes da obra, do serviço ou do fornecimento até o limite autorizado, em cada caso, pela Administração.
(…)
§ 3º Será vedada a subcontratação de pessoa física ou jurídica, se aquela ou os dirigentes desta mantiverem vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou se deles forem cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral, ou por afinidade, até o terceiro grau, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação.

Art. 139. O objeto do contrato será recebido:
I – em se tratando de obras e serviços:
a) provisoriamente, pelo responsável por seu acompanhamento e fiscalização, mediante termo detalhado, quando verificado o cumprimento das exigências de caráter técnico;
(…)
II – em se tratando de compras:
a) provisoriamente, de forma sumária, pelo responsável por seu acompanhamento e fiscalização, com verificação posterior da conformidade do material com as exigências contratuais;

            Entendemos que andou bem o PL quando, ao se referir às figuras dos gestores e fiscais de contratos, longe de ser lacunoso ou deficiente, não deixa dúvidas, não causa confusões, expressando o pertinente aos objetivos e fins a que visa e evitando desarmonias que possam acarretar insegurança jurídica.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, p. 8269, Brasília, DF, 22 jun. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 25 fev. 2021.
_______DECRETO Nº 9.507, DE 21 DE SETEMBRO DE 2018. Dispõe sobre a execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.Diário Oficial da União: seção 1, p. 3-4, Brasília, DF, 22 jun. 1993. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/42013574/do1-2018-09-24-decreto-n-9-507-de-21-de-setembro-de-2018-42013422 . Acesso em: 25 fev. 2021.
______Projeto de Lei n° 4253, de 2020 (Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 559, de 2013). Estabelece normas gerais de licitação e contratação para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; altera as Leis nºs 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e 11.079, de 30 de dezembro de 2004, e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); e revoga dispositivos da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, e as Leis nºs 8.666, de 21 de junho de 1993, e 10.520, de 17 de julho de 2002.
PÉRCIO, Gabriela Verona. Contratos administrativos: manual para gestores e fiscais. 3. ed. rev. e atual.. Curitiba: Juruá, 2020. 326 p.

[1]. Servidora pública desde 2000. Graduada em Direito pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB (2008). Especialista em Direito Processual Civil, com habilitação para o ensino superior, na área do Direito, pela Universidade Anhanguera – UNIDERP (2011). Pós-graduanda em Licitações e Contratos pelo Centro de Estudos Renato Saraiva. Chefe da Seção de Gestão de Contratos – SEGEC, do Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas. Instrutora em Gestão e Fiscalização de Contratos. Criadora do perfil @o_xdagestao no Instagram onde compartilha, com alegria e compromisso, conhecimento sobre Gestão e Fiscalização de Contratos.

[2]. Bacharel em Direito, Administrador Público, MBA em Licitações e Contratos, MBA em Gestão Pública, Especialista em Metodologia do Ensino Superior, Professor e Orientador de TCC dos  MBAs  em  Licitações e Contratos da Faculdade Polis Civitas -PR e do Centro Universitário São Lucas – RO, servidor de carreira da  Prefeitura Municipal de Porto Velho, lotado na Assessoria Técnica da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura – SEMOB, Pregoeiro e Coordenador de Licitações do CRA-RO, professor do Instituto Negócios Públicos.  palestrante e instrutor na área de licitações e contratos, planejamento das contratações e formação de pregoeiros, e-mail: adm_jamil@hotmail.com. Instagram @jamilmanasfi

[3]. PÉRCIO, Gabriela Verona. Contratos administrativos: manual para gestores e fiscais. 3. ed. rev. e atual.. Curitiba: Juruá, 2020. 326 p.

[4]. DECRETO Nº 9.507, DE 21 DE SETEMBRO DE 2018. Dispõe sobre a execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

[5]. Instrução Normativa nº 5, de 26 de maio de 2017. Dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.

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1 Comentário

  1. Raimundo Rocha

    Vou fazer uma leitura , parece muiyo bom

    Responder

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