A RESPONSABILIDADE DO PROGRAMA DE INTEGRIDADE CARIOCA

26 de julho de 2023

THAÍS MARÇAL
Secretária-Geral da Comissão de Assuntos Regulatórios do Conselho Federal da OAB. Presidente da Comissão de Estudos de Improbidade Administrativa da OABRJ. Mestre pela UERJ. Advogada.

PAULO ENRIQUE MAINIER
Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Mestre pela Universidade de Lisboa. Advogado.

Muitos agentes públicos carregam consigo a ideia de que ainda dá para atuar com irresponsabilidade, desrespeito e imaturidade ou, no pior das hipóteses, como mau-caratismo mesmo.

Quando a cultura organizacional já está contaminada, esse tipo de agente público ainda se choca quando se cobra dele que aja com honestidade, seriedade, eficiência, transparência e dentro das regras.

É praticamente impossível para poucos agentes públicos, principalmente sem o apoio da Alta Administração, promoverem mudanças que permitam a criação e manutenção de uma cultura de probidade, respeito às leis e comprometimento. As forças não tão ocultas provavelmente se mobilizarão para impedir essas mudanças.

Para que seja possível fomentar os valores, princípios e diretrizes de uma cultura de integridade em todos os órgãos e entidades de uma estrutura administrativa, não há a menor dúvida que é necessário incentivar o engajamento do maior número possível de agentes públicos.

Com esse viés, parece caminhar com acerto o Decreto do município do Rio de Janeiro nº 52.859, de 18 de julho de 2023, que cria o Programa Agentes da Integridade no âmbito do Poder Executivo do Município do Rio de Janeiro.

A finalidade do Programa é selecionar agentes públicos, com reputação ilibada, que se voluntariem para atuar em seus respectivos órgãos e entidades, como responsáveis por impulsionar a implementação e disseminação de boas práticas e ações de integridade, diante de um levantamento de fragilidades e riscos de integridade.

Dois grandes desafios deverão ser enfrentados por esses Agentes de Integridade. O primeiro é conseguir engajar agentes de todos os níveis hierárquicos da Administração Pública Municipal, principalmente quando acostumados ao “caos administrativo” e a práticas pouco ortodoxas, de modo que cada um se considere como um responsável pela consolidação de um ambiente cada vez mais íntegro e transparente. O segundo é engajar os cargos de liderança a demonstrarem compromisso visível e inequívoco em relação às ações de integridade, agindo e sendo reconhecidos como exemplos de atitude íntegra por todos os agentes públicos municipais e também pela sociedade.

Para mitigar a complexidade desses desafios, é preciso estruturar ações concretas, mensuráveis, planejadas, avaliadas e reavaliadas, que sejam perpetradas e enraizadas na prática administrativa com vistas a atender o desiderato da integridade pública com efeito irradiante sob toda a estrutura administrativa.

Nessa linha, soa salutar também a publicação do Decreto do município do Rio de Janeiro, nº 58.858, de 18 de julho de 2023, que dispõe sobre a criação do Programa Carioca de Fomento à Integridade Pública, estruturado  como um conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, com a finalidade de prevenir, detectar e corrigir práticas que possam resultar em atos de corrupção e ocorrências de violações de condutas éticas na Administração Pública Municipal.

Entre esses mecanismos, vale destacar tanto o enfoque conferido pelo diploma à temática da prevenção e ao gerenciamento de riscos de integridade, quanto à previsão de normativo claro, amplo e direto dos valores e das condutas esperadas e proibidas, aplicáveis a todos os seus agentes públicos, seus fornecedores e seus colaboradores externos, com os quais a municipalidade mantenha relacionamento.

É digno de atenção que o Decreto prevê ainda que todos os agentes públicos indicados para nomeação, designação e contratação no âmbito da Administração Pública Municipal deverão passar por uma Avaliação de Integridade, contemplando pesquisas de mídia, processos judiciais, redes sociais, fornecimento de documentos, dados e informações, com o objetivo de aferir risco reputacional. Não há, aqui, qualquer previsão de que alguém que possua um risco reputacional não poderá ser contratado. Porém, há a atribuição aos Titulares dos Órgãos e Entidades da Administração Pública Municipal nomeantes de realizarem o monitoramento dos riscos identificados. Logicamente, passarão a ser responsáveis politicamente pelo agente público que fique sob sua supervisão.

A mesma preocupação com a integridade deverá existir com os fornecedores e colaboradores externos que se relacionam com a municipalidade, que também deverão passar por avaliação de integridade.

Demonstra o Decreto, neste ponto, que a transparência entre o público e o privado é paradigma que precisa ser enraizado. Igualmente, a simbiose de probidade entre ambos.

A partir de tais premissas, é possível extrair a compreensão de que a Administração Pública municipal caminha para envidar esforços para lançar o olhar para a prevenção de ocorrências e não simplesmente gerenciar crise a posteriori, com o incentivo à utilização dos canais de denúncias disponíveis, criando um ambiente seguro e de não-retaliação ao denunciante que atuar de forma diligente e de boa-fé, em defesa do interesse público.

Por fim, chama atenção que os órgãos e entidades municipais terão seus Planos de Integridade Pública elaborados por um órgão central, a quem caberá também a avaliação e monitoramento das ações implementadas.

Com isso, evita-se que a falta de expertise dos órgãos de ponta seja a muleta que possa impedir a efetividade da implementação da cultura de integridade em cada repartição municipal.

Espera-se, sob olhares atentos, que o Município do Rio de Janeiro, como “caixa de ressonância do País”, seja paradigma na gestão da coisa pública e referência nacional em transparência, integridade e combate à corrupção. E que essa experiência possa disseminar os valores e os princípios éticos esperados dos agentes públicos de todo Brasil, definindo os padrões de comportamento e de atuação desejáveis que contribuam para a melhoria contínua dos serviços públicos. A responsabilidade do Programa de Integridade Carioca é enorme.

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