Ronny Charles L. de Torres[1]
Evidente que nas últimas duas décadas houve uma grande evolução dos órgãos de controle interno e externo no país. O Tribunal de Contas da União e a Controladoria Geral da União são exemplos de órgãos públicos de controle que alcançaram grande protagonismo no ambiente das contratações públicas. A evolução desses órgãos pode ser resultado de diversos fatores, entre eles: a qualidade de seu corpo técnico e seus membros, a decisão institucional de avançar sobre novas competências, o exercício de seu poder punitivo e a conquista de visibilidade social legitimadora.
Como o avanço e a evolução desses órgãos de controle talvez tenha se dado de maneira mais intensa do que ocorreu com a grande maioria dos órgãos de execução, restou patente a dificuldade de se atuar em conformidade com todas as exigências por eles estabelecidas. Isso acabou sendo ampliado em razão da complexidade das regras disciplinadas para atuação dos agentes públicos na área de licitações e contratos, materializadas em dezenas e dezenas de normatizações diferentes, com condições, requisitos e exigências diversas para a prática dos variados atos administrativos.
Embora este quadro de recrudescimento do controle tenha gerado como externalidade positiva uma maior profissionalização no âmbito da gestão pública e seu aperfeiçoamento, com captação de bons quadros e sua devida capacitação, por outro lado, há preocupação com o exacerbamento da atuação punitiva do controle, que pode gerar disfuncionalidades como a redução de incentivos a que bons quadros ocupem cargos que importem em maior responsabilidade ou o desestímulo à tomada de decisões arrojadas e eficientes.
O risco de responsabilização passou a atuar como desestímulo ao arrojo e à inovação. Ausência de incentivos para a tomada de decisões potencialmente eficientes, mas arriscadas, produziu uma generalização do comportamento reativo e burocrata de alguns agentes públicos, induzindo aquilo que muitos autores denominaram de “apagão das canetas”.
Diante da dificuldade na tomada de decisões arrojadas e da falta de apoio jurídico para a superação desses dilemas, além do risco de responsabilização inclusive do parecerista jurídico, o direito administrativo deixou de ser um instrumento para regular ações administrativas voltadas para o atendimento ao interesse público, para se restringir a um conjunto de regras de conformidade cuja aplicação era vetorizada pela tentativa de auto preservação dos agentes públicos envolvidos, o que precipitava disfuncionalidades, externalidades várias e a modelação de um regime denominado por qualificados críticos como “Direito Administrativo do Medo”[2].
Mas como combater tal disfuncionalidade?
Uma aparente solução parece ser reduzir o risco que aflige alguns agentes públicos tomadores de decisão. Aparentemente, foi neste sentido que o artigo 10 da Lei nº 14.133/2021 definiu que, se as autoridades competentes e os servidores públicos que tiverem participado dos procedimentos relacionados às licitações e aos contratos de que trata esta Lei precisarem defender-se nas esferas administrativa, controladora ou judicial em razão de ato praticado com estrita observância de orientação constante em parecer jurídico, a Advocacia Pública promoverá, a critério do agente público, sua representação judicial ou extrajudicial.
Segundo a Lei, o direito de representação pela Advocacia Pública não ocorrerá apenas quando provas da prática de atos ilícitos dolosos constarem nos autos do processo administrativo ou judicial.
Vale dizer, esse direito persistirá mesmo que o agente público não mais ocupe o cargo, emprego ou função em que foi praticado o ato questionado.
Trata-se, portanto, de uma das inovações mais arrojadas da Lei n. 14.133, de 2021, que cria um importante direito, que pode transformar a área de licitações e contratos em um ambiente de maior segurança jurídica para a atuação destemida de agentes públicos arrojados e comprometidos com a eficiência administrativa.
[1] Advogado da União. Palestrante. Professor. Doutorando em Direito do Estado e Regulação. Mestre em Direito Econômico. Pós-graduado em Direito tributário. Pós-graduado em Ciências Jurídicas. Membro do INCP. Membro da Câmara Nacional de Licitações e Contratos da Consultoria Geral da União (AGU). Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (12ª Edição. Ed. JusPodivm).
[2]. SANTOS, Rodrigo Valgas. Direito Administrativo do medo: risco e fuga da responsabilização dos agentes públicos. São Paulo: Thompson Reuters, 2020.
OBS.: Texto baseado em trecho de nosso livro “Leis de licitações públicas comentadas
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