Dispensa Emergencial e o Dever de Eficiência

2 de janeiro de 2024

Por Ronny Charles L. de Torres[1]

Recentemente, municípios da Bahia e de Minas Gerais foram surpreendidos por períodos de acentuada chuva que causaram graves problemas às suas comunidades.

Obviamente, diante de tais tragédias, o Poder Público é chamado a agir. Contudo, esta ação, via de regra, exige a contratação de bens, equipamentos, materiais e serviços, entre outras pretensões contratuais, para que a ação estatal produza os efeitos desejados. Locações de imóveis, compra de alimentos, contratação de serviços de engenharia, entre outras demandas, são imprescindíveis para socorrer a população atingida.

Pois bem, a legislação permite a contratação direta nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a continuidade dos serviços públicos ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares.

Tal contratação direta deve se restringir estritamente ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e, na Lei nº 14.133/2021, apenas para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 (um) ano, contado da data de ocorrência da emergência ou da calamidade, vedadas a prorrogação dos respectivos contratos e a recontratação de empresa já contratada com base no disposto neste inciso. Em relação a previsão similar, na Lei nº 8.666/93, o prazo máximo da contratação emergencial é de 180 dias.

Com a dispensa para contratações emergenciais, a Lei busca resguardar o atendimento do próprio interesse público, o qual, por conta da necessidade de atendimento urgente, seria prejudicado pela demora do procedimento licitatório e seus trâmites burocráticos.

Contudo, o uso abusivo da dispensa emergencial, no passado, gerou certo recrudescimento em sua fiscalização, com exemplares punições por eventuais desvios, pelos órgãos de controle. Por conta disso, muitos gestores, mesmo idôneos, apresentam justificável preocupação com o uso desta hipótese de dispensa, mesmo diante de situações emergenciais ou calamitosas, nas quais o uso dela é necessário para evitar o prejuízo ou comprometimento à segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares.

Embora seja compreensível esta autopreservação, ela não deve ser priorizada, em detrimento à proteção dos bens tutelados pelo legislador.

Em primeiro, é importante reiterar que dispensa emergencial também se mostra possível, mesmo quando a situação de emergência decorre da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos públicos. Seja na Lei nº 14.133/2021 ou na Lei nº 8.666/93, não há distinção, para fins da referida hipótese de contratação direta, entre a emergência resultante do imprevisível daquela resultante da incúria ou da inércia administrativa, desde que caracterizados os elementos legais necessários à aplicação da hipótese.

Em segundo, necessário frisar a necessidade de separar, para fins de eventual responsabilização, a conduta dos agentes públicos que concorreram para originar a situação emergencial, da ação daquele gestor que decidiu pela contratação direta, atuando apenas para elidir o risco de dano.

Por fim, imprescindível lembrar que as competências administrativas se apresentam como poder-dever, de forma que, diante do risco de prejuízo aos bens tutelados pelo legislador, deve o gestor adotar a hipótese de contratação direta para protegê-los, sob pena de ser responsabilizado pela sua omissão. Como muito bem destacou o Plenário do TCU, no Acórdão 1022/13, relatado pela Ministra Ana Arraes, “se a situação fática exigir a dispensa por situação emergencial, mesmo considerando a ocorrência de falta de planejamento, não pode o gestor deixar de adotá-la, pois se assim proceder responderá não apenas pela falta de planejamento, mas também pelos possíveis danos que sua inércia possa causar”.

Diante da situação emergencial, inclusive, as próprias exigências burocráticas relativas à fase preparatória ou de planejamento da contratação podem ser mitigadas. A urgência e a gravidade do risco a ser evitado pela contratação impõem a tomada de medidas céleres, muitas vezes imediatas. Assim, em hipóteses excepcionais, entre elas algumas situações que justificam a dispensa emergencial, defensável que ocorra a sublimação da fase interna e seja dispensada, inclusive, a confecção do projeto básico para serviços de engenharia que precisem ser realizados imediatamente.

Diante dos fatos jurídicos que legitimam a contratação emergencial, o dever de eficiência por vezes se impõe.


[1] Advogado da União. Palestrante. Professor. Mestre em Direito Econômico. Pós-graduado em Direito tributário. Pós-graduado em Ciências Jurídicas. Membro do Grupo de confecção dos editais de Licitações da AGU. Membro da Câmara Nacional de Uniformização da Consultoria Geral da União. Membro do corpo editorial da Revista da Doutrina e Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Atuou como Consultor Jurídico Adjunto da Consultoria Jurídica da União perante o Ministério do Trabalho e Emprego. Atuou, ainda, na Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social, na Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes e na Consultoria Jurídica da União, em Pernambuco. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (7ª Edição. Ed. JusPodivm); Licitações públicas: Lei nº 8.666/93 (7ª Edição. Coleção Leis para concursos públicos: Ed. Jus Podivm); Direito Administrativo (Co-autor. 6ª Edição. Ed. Jus Podivm); RDC:  Regime Diferenciado de Contratações (Co-autor. Ed. Jus Podivm); Terceiro Setor: entre a liberdade e o controle (Ed. Jus Podivm) e Improbidade administrativa (Co-autor. 2ª edição. Ed. Jus Podivm). Autor da coluna mensal “Direito & Política”, da Revista Negócios Públicos.

OBSERVAÇÃO: Baseado em trecho de nosso livro “Leis de Licitações Públicas Comentadas (TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas comentadas. 12ª. ed. São Paulo: JusPodivm, 2021).

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