Por Ronny Charles[1]
Segundo a Lei nº 14.133/2021, o Estudo Técnico Preliminar (ETP) é o documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução, dando base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados, caso se conclua pela viabilidade da contratação.
Partindo do documento que formaliza a demanda, o Estudo Técnico Preliminar agrega novos elementos de planejamento, entre eles: requisitos de contratação; levantamento de mercado, justificativas técnicas, como em relação ao parcelamento da solução, ao uso de algumas das ferramentas admitidas para o procedimento licitatório, regime de execução, entre outros.
A função do ETP é agregar novos elementos de planejamento, avaliando, entre outras coisas: as soluções disponíveis no mercado para o atendimento da necessidade administrativa, levantamento de subsídios para definição da pretensão contratual, eventuais requisitos necessários à contratação, ponderações sobre a modelagem contratual (como em relação ao parcelamento ou não da solução, contratação com ou sem dedicação exclusiva de mão de obra), entre outros.
Diante da Lei nº 14.133/2021, pode-se compreender o Estudo Técnico Preliminar como um instrumento estratégico para reflexão sobre elementos exógenos (por exemplo, soluções do mercado para o atendimento da necessidade administrativa) e elementos endógenos (ferramental aplicável à seleção do objeto licitatório), fundamentais para uma boa definição do objeto da licitação e do mecanismo de seleção e contratação a ser adotado.
Em relação à obrigatoriedade de elaboração do ETP, há opções diversas de tratamento pela regulamentação.
No âmbito federal, por exemplo, a Instrução Normativa SEGES Nº 58/2022 indica uma obrigatoriedade geral, ressalvada apenas em poucas exceções por ela indicadas. Nesses termos, a elaboração de ETP é obrigatória, ressalvadas as seguintes exceções: facultada nas hipóteses dos incisos I, II, VII e VIII do art. 75 e do § 7º do art. 90 da Lei nº 14.133, de 2021; e dispensada na hipótese do inciso III do art. 75 da Lei nº 14.133, de 2021, e nos casos de prorrogações dos contratos de serviços e fornecimentos contínuos.
Com o devido respeito, entendemos que esta obrigatoriedade generalizada do ETP ignora os custos transacionais de sua elaboração, ao menos como instrumento real de reflexão sobre as soluções existentes no mercado para o atendimento da demanda administrativa.
Na prática, esta postura induz a realização de estudos técnicos preliminares apenas formais, que constam no processo para cumprir o comando burocrático, mas que efetivamente não demonstram a reflexão pretendida pelo instrumento.
Não é incomum, na atividade de parecerista, identificar processos em que o ETP (percebido nesta compreensão formalista e burocrática) é juntado ao final do processo ou, mesmo antecipadamente, com meras repetições de trechos do termo de referência. Ele é juntado porque precisa ser juntado, mas não porque entendeu-se como funcionalmente necessário à contratação.
Tal modelo amplia demasiadamente os custos transacionais, sem evidentes ganhos à qualidade da contratação pública.
Pensando em sentido diferente, o Estado de Pernambuco normatizou a matéria de maneira sutilmente oposta. Em seu regulamento estadual, ao invés de definir uma obrigatoriedade geral, com poucas exceções, o Estado de Pernambuco apontou as hipóteses em que a adoção do ETP seria obrigatória, prestigiando uma perspectiva funcional do instrumento de planejamento. Tais hipóteses, vale lembrar, não impedem que o gestor opte pela confecção do instrumento em situações ali não previstas, por percebê-lo como funcionalmente importante para a licitação.
A exigência de confecção do ETP em contratações corriqueiras, ordinárias, de baixo valor e de baixa complexidade atenta contra a eficiência e a economicidade, além de induzir um comportamento que banaliza a importância do instrumento, passando a ser usado de maneira meramente formalista, para compor processos, fragilizando sua relevância e valor, mesmo quando necessário.
[1] Advogado da União. Doutorando em Direito pela UFPE. Mestre em Direito Econômico pela UFPB. Membro da Câmara Nacional de Licitações e Contratos da Consultoria-Geral da União. Autor de diversas obras jurídicas, destacando: Leis de Licitações Públicas comentadas (14ª ed. Jus Podivm); Direito Administrativo (coautor. 13ª ed. Jus Podivm); Licitações e Contratos nas Empresas Estatais (coautor. 3ª edição. Jus Podivm) e Comentários à Lei de Improbidade Administrativa (ed. Jus Podivm). Análise Econômica das licitações e contratos (coautor. Fórum).
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