Ronny Charles L. de Torres[1]
O Sistema de Registro de Preços (SRP) segue o princípio administrativo da economicidade, sendo um procedimento licitatório que serve para registrar os preços de fornecedores para futuras contratações do poder público, permitindo, assim, simplificar e racionalizar esses processos de compras públicas. Utilizando esse procedimento, pode-se abrir um certame licitatório em que o vencedor terá seus preços registrados, para que posteriores necessidades de contratação sejam dirigidas diretamente a ele, de acordo com os preços aferidos.
Diante desta básica compreensão, é importante delimitar que o Sistema de Registro de Preços é um procedimento auxiliar que atua conjugado ao procedimento licitatório, para gerar um instrumento auxiliar (ata de registro de preços). Este instrumento auxiliar gera obrigações, sobretudo de fornecimento, que podem fundamentar futuras contratações, de acordo com o respectivo regime jurídico e contratual.
Hoje, são aplicados três sistemas de registro de preços diferentes: (i) o da Lei 8.666/93, previsto em seu art. 15, regulamentado pelo Decreto nº. 7.892/2013 na esfera federal; (ii) o da Lei nº 12.462/2011 (RDC), disposto no art. 32, regulamentado pelo Decreto federal nº 7.581/2011; e (iii) o instituído pelo art. 65 da Lei nº 13.303/2016, o SRP das Estatais (vale frisar que órgãos federais, por ausência de regulamentação, ainda não estão aplicando o SRP decorrente da Lei n. 14.133, de 2021).
Em relação à utilização da ata de registro de preços por órgão ou entidades não participantes (adesão), convém frisar que a própria Lei das estatais definiu limitação subjetiva à adesão em uma ata decorrente do SRP/Estatal. Nessa linha estabeleceu o artigo 66, §1º da Lei nº 13.303/2016, ao indicar que apenas as estatais, sejam empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, poderão aderir ao sistema de registro de preços das Estatais.
Diante disso, importa ponderar que o regime de contratação das estatais difere, e muito, do regime contratual dos órgãos da administração direta. Como, além dos preços, as condições de fornecimento e o próprio regime da contratação são definidos previamente na licitação para registro de preços, surge um obstáculo à livre utilização das Atas de registro de Preços de estatais, pelos órgãos e entidades da Administração Direta, quando as contratações decorrentes da ARP têm por fundamento a Lei nº 13.303/2016.
O regime de contratação admitido pela Lei nº 13.303/2016 difere estruturalmente do regime estabelecido pela Lei nº 8.666/93, ou mesmo pela Lei nº 14.133/2021, e nossa legislação não outorgou ao agente público a prerrogativa de escolher um regime jurídico licitatório ou contratual diferente do definido pela legislação. Isso ocorre porque o princípio da obrigatoriedade de licitar e a incidência do regime licitatório ou contratual se dá em razão de uma perspectiva subjetiva, baseada em quem realiza a licitação ou firma a contratação.
De forma diversa do preconizado pela Lei nº 8.666/93, que estabelece uma relação contratual “verticalizada”, na qual a Administração Pública detém diversas prerrogativas extraordinárias ou extravagantes, na Lei das estatais (Lei nº 13.303/2016) a relação contratual sofre certa “horizontalização”, uma vez que boa parte das prerrogativas extraordinárias são suprimidas.
Apesar de ser parecido com os demais, o SRP das empresas públicas e sociedades de economia mista (estatais) possui traços diferentes em relação ao SRP previsto na Lei 8.666/93 e não parece admissível permitir que um órgão submetido pelo ordenamento ao regime da Lei n. 8.666/93 firme contratações lastreadas no regime de contratação da Lei nº 13.303/2016. Da mesma forma não é admissível que um modelo de contratação lastreado na Lei nº 13.303/2016 seja subvertido, após a adesão, em um contrato regido pela Lei nº 8.666/93.
Quando realiza uma licitação para registro de preços, via de regra, a estatal o faz adotando o seu regime legal de licitação e contratação, sendo, em princípio, aplicável também o respectivo regime contratual da Lei nº 13.303/2016. Esta constatação cria severo obstáculo à utilização de uma Ata decorrente de um SRP/Estatal por órgão da Administração Direta ou mesmo por uma autarquia ou fundação pública.
Isso porque, reitere-se, ao gestor de um órgão da Administração Direta não é permitido dispor do regime contratual aplicável, por determinação legal, deixando de aplicar aquele definido pelo legislador (perspectiva subjetiva da obrigatoriedade de licitar), lastreado na Lei nº 8.666/93, repleto de cláusulas exorbitantes, para ao seu alvedrio aplicar aquele definido na licitação da estatal, despido de grande parte dessas cláusulas e lastreado na Lei nº 13.303/2016.
Assim, em princípio, não é compatível juridicamente a adesão, por órgãos da Administração federal direta, a atas de registro de preços gerenciadas por estatais, com a aplicação do regime licitatório e contratual da Lei nº 13.303, de 2016.
Por outro lado, como apontamos no Parecer nº 00002/2022/COORD/E-CJU/AQUISIÇÕES/CGU/AGU, é possível defender a utilização ou adesão, por um órgão da Administração direta, a determinado item de ata de registro de preços decorrente de licitação realizada por estatal, caso a licitação realizada pela estatal seja planejada com esse desiderato, separando itens para contratações regidas pela Lei nº 13.303/2016 e itens para contratações regidas pela Lei nº 8.666/93.
Frise-se, na espécie, a licitação da estatal será realizada adotando-se o regime licitatório definido pelo legislador, previsto na Lei nº 13.303/2016; conquanto a contratação decorrente será definida (com informação clara no edital, para que os licitantes tenham conhecimento dessas condições) como submetida ao regime contratual da Lei nº 8.666/93 (ou da Lei n. 14.133/2021), para os objetos que sejam destinados a contratações apenas por órgãos da Administração direta, autárquica e fundacional.
[1] Advogado da União. Palestrante. Professor. Doutorando em Direito do Estado e Regulação. Mestre em Direito Econômico. Pós-graduado em Direito tributário. Pós-graduado em Ciências Jurídicas. Membro do INCP. Membro da Câmara Nacional de Licitações e Contratos da Consultoria Geral da União (AGU). Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (12ª Edição. Ed. JusPodivm).
0 comentários