Entrevista com Min. Benjamin Zymler: regulamentação da NLLC (Sollicita)

3 de dezembro de 2022

Por Aline de Oliveira / Sollicita

Estamos a pouco meses da plena vigência da Lei 14.133/21, e há ainda grande preocupação em relação a regulamentação da Nova Lei de Licitações e Contratos

Você sabia que “boa parte da regulamentação prevista no texto legal não é estritamente necessária para o uso imediato da nova Lei de Licitações”/

Confira na entrevista exclusiva com Ministro Benjamin Zymler:

1. A Lei 14.133/2021 saiu com aproximadamente 50 previsões de regulamentação. Em algumas delas existem brechas para regulamentações menores?

Ministro Benjamin Zymler – Conforme o inciso IV do art. 84 da Constituição, compete privativamente ao Presidente da República expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis. Nessa perspectiva, cabe, primariamente, ao Chefe do Poder Executivo Federal a tarefa de promover a regulamentação da Lei 14.133/2021, nos espaços especificados na própria norma e naqueles que ele entender conveniente disciplinar.

Não obstante, há, sim, espaço para regulamentação mediante a edição de regras de nível hierárquico inferior, tais como atos normativos expedidos por Ministros de Estado, instruções normativas e até mesmo portarias elaboradas por órgãos com competências regulamentares. Essa conclusão pode ser depreendida da própria Lei 14.133/2021, em especial dos seguintes dispositivos:

  • Art. 1º, § 2º: “As contratações realizadas no âmbito das repartições públicas sediadas no exterior obedecerão às peculiaridades locais e aos princípios básicos estabelecidos nesta Lei, na forma de regulamentação específica a ser editada por ministro de Estado”;
  • Art. 19: Os órgãos da Administração com competências regulamentares relativas às atividades de administração de materiais, de obras e serviços e de licitações e contratos deverão: I – instituir instrumentos que permitam, preferencialmente, a centralização dos procedimentos de aquisição e contratação de bens e serviços ;II – criar catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras, admitida a adoção do catálogo do Poder Executivo federal por todos os entes federativos; III – instituir sistema informatizado de acompanhamento de obras, inclusive com recursos de imagem e vídeo; IV – instituir, com auxílio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno, modelos de minutas de editais, de termos de referência, de contratos padronizados e de outros documentos, admitida a adoção das minutas do Poder Executivo federal por todos os entes federativos; V – promover a adoção gradativa de tecnologias e processos integrados que permitam a criação, a utilização e a atualização de modelos digitais de obras e serviços de engenharia”.
  • Art. 122, § 2º:Regulamento ou edital de licitação poderão vedar, restringir ou estabelecer condições para a subcontratação”;
  • Art. 140, § 3º: “Os prazos e os métodos para a realização dos recebimentos provisório e definitivo serão definidos em regulamento ou no contrato”.

Além disso, há espaço para regulamentação realizada por órgãos hierarquicamente inferiores na estrutura do Poder Executivo Federal, a partir de delegações de competência realizadas em decretos expedidos pelo Presidente da República.

Nesse sentido, cabe destacar as diversas instruções normativas editadas pela Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, fazendo uso das competências que lhe foram conferidas no Decreto 9.745, de 8 de abril de 2019, e no Decreto 1.094, de 23 de março de 1994.

São exemplos de regulamentos expedidos pela SEGES/ME, com o propósito de disciplinar aspectos da Lei 14.133/2021, os seguintes (relação não exaustiva):

  • INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES Nº 58, DE 8 DE AGOSTO DE 2022: Dispõe sobre a elaboração dos Estudos Técnicos Preliminares – ETP, para a aquisição de bens e a contratação de serviços e obras, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e sobre o Sistema ETP digital;
  • INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES/ME Nº 65, DE 7 DE JULHO DE 2021: Dispõe sobre o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional;
  • INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES/ME Nº 67, DE 8 DE JULHO DE 2021: Dispõe sobre a dispensa de licitação, na forma eletrônica, de que trata a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, e institui o Sistema de Dispensa Eletrônica, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional;
  • INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES/ME Nº 72, DE 12 DE AGOSTO DE 2021: Estabelece regras para a definição do valor estimado para a contratação de obras e serviços de engenharia nos processos de contratação direta, de que dispõe o § 2º do art. 23 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional;
  • INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES Nº 73, DE 30 DE SETEMBRO DE 2022: Dispõe sobre a licitação pelo critério de julgamento por menor preço ou maior desconto, na forma eletrônica, para a contratação de bens, serviços e obras, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional;
  • INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES /ME Nº 75, DE 13 DE AGOSTO DE 2021: Estabelece regras para a designação e atuação dos fiscais e gestores de contratos nos processos de contratação direta, de que dispõe a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional;
  • INSTRUÇÃO NORMATIVA SEGES/ME Nº 77, DE 4 DE NOVEMBRO DE 2022: Dispõe sobre a observância da ordem cronológica de pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, prestação de serviços e realização de obras, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.

Finalizo o presente questionamento observando que boa parte da regulamentação prevista no texto legal não é estritamente necessária para o uso imediato da nova Lei de Licitações, que poderia ser aplicada prescindindo da edição de diversas normas infralegais. Cito como exemplo os dispositivos já regulamentados sobre pesquisa de mercado, cuja inexistência de normativos sobre o tema jamais constituiu óbice para a utilização da Lei 8.666/1993.

Somente após mais de duas décadas de uso da Lei 8.666/1993, é que foi editada a primeira versão da então IN 5/2014 (revogada pela IN 73/2020), versando sobre a pesquisa de mercado das contratações de bens e serviços em geral. Até então foi produzida vasta jurisprudência sobre o tema, que serviu para posteriormente balizar a referida instrução normativa.

Entendo que o açodamento, na tentativa desenfreada de regulamentar tudo desde logo, pode não ser interessante, pois a normatização surge também da experiência e da observação de boas práticas na utilização da lei. A melhor regulamentação também deve ser compreendida como um olhar para trás e não apenas como uma tentativa de balizar o futuro.

Assim, talvez fosse mais interessante a aplicação imediata da nova lei, sedimentando o uso de novos institutos, construindo uma necessária experiência, antes da edição de normas regulamentando assuntos que ainda são totalmente desconhecidos do Poder Público e do mercado fornecedor.

2. Que órgãos ou instituições devem fazer essas regulamentações? Ou cada órgão tem a discricionariedade de fazer a sua própria regulamentação?

Ministro Benjamin Zymler – Conforme visto, compete privativamente ao Presidente da República “sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”, nos termos do art. 84, inciso VI, da Constituição. Ao exercer tal atribuição, o Chefe do Poder Executivo edita um decreto, que é considerado um ato de regulamentação de primeiro grau.
Também estão inseridos no Poder Regulamentar outros tipos de atos normativos, tais como instruções normativas, resoluções e portarias, que são editados por outras autoridades administrativas. Tais atos possuem um âmbito de aplicação mais restrito, porém, veiculando normas gerais e abstratas para a explicitação das leis.

Nesse sentido, o art. 2º do Decreto-Lei 200/1967, que dispõe sobre a organização da administração federal, estabelece que o Presidente da República e os Ministros de Estado exercem as atribuições de sua competência constitucional, legal e regulamentar com o auxílio dos órgãos que compõem a Administração Federal. Tais autoridades poderão, inclusive, delegar competência para a prática de atos administrativos (art. 12 do referido Decreto-Lei), inclusive para a edição de regulamentos.

A própria Lei 14.133/2021 previu em seus dispositivos a edição de regulamentos por diversas autoridades distintas, conforme já mencionado. Há, ainda, a previsão de normatização por órgãos da estrutura de outros Poderes, como se depreende do art. 20, § 1º:

“Art. 20…
§ 1º Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário definirão em regulamento os limites para o enquadramento dos bens de consumo nas categorias comum e luxo.

No âmbito das outras esferas da federação, por força do princípio da simetria, a competência de editar decretos regulamentares, prevista no art. 84, inciso IV, da Constituição Federal, estende-se aos Chefes do Poder Executivo local, no que couber.

É competência privativa da União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas direta, autárquica e fundacional de todos os entes da Federação (CF, art. 22, inciso XXVII). Por outro lado, compete ao DF, Estados e Municípios legislar suplementarmente sobre licitações.

É importante ressaltar que nem todas as disposições da nova lei podem ser consideradas como normas gerais. Assim como a Lei 8.666/1993, o novel estatuto contém dispositivos que têm essa característica, sendo de observância obrigatória por toda a Administração Pública de todas as esferas, e outros que configuram normas não gerais, de incidência apenas para a Administração Pública federal. A grande questão que surge é como distinguir umas e outras.

Para tanto, seria necessário avançar na busca de um conceito de norma geral. Todavia, o tema é objeto de controvérsia na doutrina, o que impede o equacionamento de todas as dúvidas existentes sobre a matéria, nessa oportunidade.

De toda sorte, filio-me, a priori, à doutrina que entende como norma geral:

a) hipótese de obrigatoriedade e não obrigatoriedade de licitação;

b) requisitos de participação em licitação;

c) modalidades de licitação;

d) tipos de licitação;

e) regime jurídico de contratação administrativa.

Tangenciando a controvérsia sobre o que vem a ser norma geral ou norma específica, os estados, o Distrito Federal e os municípios possuem, evidentemente, competência para editar regulamentos próprios a respeito das regras da Lei n° 14.133/2021, mesmo as que tenham a natureza de norma geral, desde que não desvirtuem estas.

Uma coisa é legislar sobre normas gerais alterando seu conteúdo, outra é editar uma norma regulamentar para operacionalizar uma norma geral no âmbito do ente. A primeira representaria uma ofensa à Constituição, a outra estaria de acordo com a ordem jurídica constitucional.

Por outro lado, sem elaborar qualquer juízo definitivo sobre a matéria e apenas para exercício de debate, poderiam ser consideradas normas específicas algumas disposições sobre a equipe de servidores incumbida da condução da licitação, pois se trata de matéria muito dependente de estrutura administrativa de cada ente (art. 8º):

A  licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação”.

É razoável imaginar que lei estadual, distrital ou municipal possa flexibilizar a exigência de que o agente de contratação deva ser escolhido entre servidores efetivos. Também parece razoável que esses entes possam associar ao agente de contratação outro conjunto de atribuições, desde que não haja violação, por exemplo, ao princípio da “segregação de funções”, este sim insuscetível de ser ferido pela novel legislação.

3. Qual o objetivo final da regulamentação?

Ministro Benjamin Zymler  – Como é sabido, as leis muitas vezes são editadas com elevado grau de abstração, o que exige a edição de regulamentos para que os seus destinatários possam ter uma melhor noção sobre o que é permitido e o que é vedado. Essa assertiva aplica-se com muito mais propriedade no contexto das normas administrativas, que se destinam à aplicação de um agente administrativo, que somente pode agir a partir das rígidas balizas estabelecidas pela ordem jurídica. Sendo assim, a edição de regulamentos visa à melhor operacionalização do exercício da função pública, conferindo segurança jurídica tanto para o agente público como para os administrados.

Quem vai aplicar a lei em concreto, fazer a subsunção do fato à norma é o gestor público, no caso, os agentes de contratação, sua equipe de apoio, as autoridades competentes, os fiscais e gestores do contrato e, ao final, o ordenador de despesas. A regulamentação reduz o espaço de imprecisão da lei, permitindo uma atuação uniforme e impessoal dos agentes públicos, nos espaços vinculados da lei. Quanto às zonas de discricionariedade, os regulamentos podem auxiliar no estabelecimento de balizas para a interpretação de termos indeterminados e para a aferição do melhor interesse público.

A expedição de regulamentos não constitui apenas expressão do poder normativo. A medida pode externar uma opção da autoridade competente, exercida nos espaços de discricionariedade da lei, a ser seguida compulsoriamente pelos subordinados, em face do poder hierárquico daquela.

Nesse sentido, não há óbices para a administração estabelecer critérios dentro de seu poder discricionário com o intuito de padronizar determinados procedimentos em que a lei reserva mais de uma opção possível. Assim, por exemplo, poderiam ser objeto de regulamentação as hipóteses em que seria utilizado o critério de julgamento pelo menor preço em detrimento daquele de maior desconto.

Se é possível ao administrador fixar esses critérios em edital, com mais razão pode o Presidente da República ou outra autoridade com competência regulamentar definir quais os critérios a serem utilizados, dentro das diretrizes legais, de modo a uniformizar os procedimentos administrativos.

4. Os regulamentos podem alterar os textos de base da lei e trocar redações?

Ministro Benjamin Zymler – A norma regulamentar não pode se sobrepor aos ditames de lei, sob pena de invalidade. Sua função é tão somente facilitar e detalhar a execução da lei e, sobretudo, acomodar o aparato administrativo para bem observá-la.

Ademais, de acordo com o art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Portanto, os atos normativos que regulamentam as leis não podem instituir direitos e obrigações, especialmente para os administrados.

Todavia, é possível a estipulação de obrigações subsidiárias e procedimentais não previstas originalmente, desde que direcionadas aos agentes públicos. A título de exemplo, invoco o Decreto 11.246, de 27 de outubro de 2022, que detalhou as obrigações dos fiscais e gestores dos contratos, regulamentando as disposições genérica da Lei 14.133/2021.

5. Quem irá fiscalizar as regulamentações realizadas por instituições Brasil a fora?

Ministro Benjamin Zymler – Consoante exposto nas respostas anteriores, o poder normativo da administração pública é bastante importante, uma vez que por meio dele é que se dá concretude aos comandos legais.

Em razão da relevância do tema, a Constituição Federal prevê uma série de medidas de controle do poder normativo, visando a coibir a indevida extensão do poder regulamentar.

Por meio do art. 49, inciso V, o texto constitucional atribui ao Congresso Nacional o poder de “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.

Outrossim, há várias formas de controle judicial dos atos regulamentares, sendo relevante distinguir a natureza do conteúdo do ato a ser impugnado. Tratando-se de regulamento que colida ou extrapole os limites da lei, é possível apenas o controle de legalidade pelo Poder Judiciário, resultante do confronto do ato com a lei, não sendo possível o uso da ação direta de inconstitucionalidade.

No seu art. 97, a Constituição Federal prevê o controle judicial dos atos administrativos, no sentido de que os Tribunais de Justiça declaram inconstitucionalidade de ato normativo do Poder Público por meio do voto de maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial.

Por meio do art. 102, a Constituição Federal determina que o Supremo Tribunal Federal é o competente para julgar ação direta de inconstitucionalidade (ADI) de ato normativo federal ou estadual, bem como ação declaratória de constitucionalidade (ADC) de ato normativo federal.

Ainda é possível a impugnação direta de regulamentos pela arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), prevista no art. 102, § 1º, da CF, e regulamentada pela Lei 9.882/1999.

Por fim, cabe destacar a jurisprudência pacífica do TCU, no sentido de que não lhe compete fazer o controle abstrato de atos normativos. Nesse sentido, invoco o seguinte precedente de minha lavra:

O TCU não tem competência para promover, em abstrato, o controle formal e material da legalidade e da constitucionalidade de atos normativos infralegais; porém, pode apreciar a constitucionalidade de normas jurídicas e atos do Poder Público, em controle”. (Acórdão 990/2017-Plenário. Relator: BENJAMIN ZYMLER).

6. Se forem diversas as redações das normas regulamentares, como o TCU irá proceder na análise dos atos? Desconsiderar os regulamentos diversos ou adotar a prevalência do texto da lei federal?

Ministro Benjamin Zymler – Antes de adentrar na atuação do TCU propriamente dita, destaco que a regulamentação da Lei 14.133/2021, promovida pelo Poder Executivo Federal, tem estipulado que os órgãos e entidades da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, quando executarem recursos da União decorrentes de transferências voluntárias, deverão observar os procedimentos previstos no regulamento federal.

Como exemplo de tal prática, cito a IN 65/2021, que regulamentou a pesquisa de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral no âmbito da nova Lei de Licitações.

Trata-se da máxima “meu dinheiro, minhas regras”, que também é utilizada em alguns precedentes da jurisprudência do TCU. Como exemplo, cito o Acórdão 2.099/2011-Plenário (relator: Ministro Marcos Bemquerer Costa), por meio do qual o TCU decidiu que, no caso de licitações realizadas por entes da federação com recursos federais repassados por meio de termo de compromisso ou contrato de repasse, deve haver a necessária publicação do edital do certame no Diário Oficial da União (DOU).

Em outro recente caso, apreciado pelo Acórdão 1.246/2022-Plenário (relator: Ministro Aroldo Cedraz), o TCU deliberou que o edital de licitação cujos recursos tenham participação federal não pode conter dispositivos baseados na legislação estadual que contrariem a Lei 8.666/1993, a exemplo de critério de julgamento de propostas por maior desconto e de inversão de fases entre habilitação e abertura das propostas, por afrontar o caput e o parágrafo único do art. 1º, e o caput do art. 118, da Lei 8.666/1993.

Assim, em um juízo preliminar da matéria, sempre que houver previsão de aportes de verbas da União, entendo que o TCU irá examinar a regularidade das licitações promovidas pelos demais entes federativos a partir do critério estabelecido pela própria ordem jurídica, que é a regulamentação federal.

Seria recomendável, para incrementar a segurança jurídica dos agentes públicos envolvidos, que os instrumentos de transferência de recursos da União para os entes subnacionais, estabeleçam a aplicação obrigatória dos regulamentos federais.

7. Como fica a segurança jurídica para os gestores e para os licitantes?

Ministro Benjamin Zymler  – De fato, a possibilidade de haver múltiplas normas a respeito de contratações públicas, nas mais diversas unidades federativas, inclusive municípios, é um grande desafio para os gestores e principalmente para os licitantes.

Essa característica de nosso ordenamento jurídico impõe elevados custos para a administração pública e para o setor privado, que são instados a arcar periodicamente com despesas de treinamento e reciclagem de seus colaboradores, além da eventual contração de assessorias especializadas para apoio jurídico e, por vezes, para a defesa em processos administrativos e judiciais a respeito da matéria.

Sem dúvida, a característica da legislação sobre contratações públicas é um fator de insegurança jurídica no Brasil.

Nessa perspectiva, uma maior padronização das normas de licitações públicas seria algo desejável. Ressalta-se que uma boa parte da experiência internacional, com destaque para a União Europeia, busca modernamente estabelecer diretrizes comuns e uniformes para as licitações e contratações públicas.

A propósito, a adoção dessa visão de centralidade permitiria ao Brasil acelerar as tratativas para a sua adesão ao Acordo sobre Contratações Governamentais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), o que seria bastante importante para melhorar o ambiente de negócios no país.

Por outro lado, a relativa dispersão das normas de licitação, pela criação de estatutos licitatórios estaduais e municipais, pode permitir a aproximação desejada das normas à realidade diferenciada dos entes subnacionais, em particular àquela vivenciada pelos municípios de médio e pequeno porte.

Deve-se reconhecer que a sistematização da nova lei deriva da inteligência e da experiência de uma burocracia federal, que importou para a lei as práticas adotadas no âmbito da União. Portanto, dentro de uma medida restrita, seria bem-vindo o exercício da competência legislativa dos estados e municípios para adaptar aspectos específicos da norma às necessidades dos demais entes federados.

Entrevista extraída do Portal Sollicita e disponível em: https://www.sollicita.com.br/Noticia/?p_idNoticia=19904&n=entrevista-com-min.-benjamin-zymler:-regulamenta%C3%A7%C3%A3o-da-nllc

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