DISPENSA DE LICITAÇÃO PARA FINS DE REGISTRO DE PREÇOS E A VOLATILIDADE DOS PREÇOS EM TEMPOS DE COVID-19
Por Ronny Charles L. de Torres
A Medida Provisória nº 951, publicada no dia 15 de abril de 2020, ao incluir três novos parágrafos ao artigo 4º, trouxe interessantes novidades ao regime jurídico licitatório, merecendo reflexão sobre contornos jurídicos relacionados e, sobretudo, os reflexos econômicos decorrentes desta alteração.
Com a alteração normativa acima, criou-se a “Dispensa de licitação para Registro de Preços”, com base na hipótese de contratação direta prevista pelo caput do artigo 4º da Lei nº 13.979/2020, que admite a dispensa de licitação “para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”.
Convém lembrar que, até então, o uso deste procedimento auxiliar não era adotado em contratações diretas, mas apenas em algumas modalidades de licitação.
A utilização do SRP em hipóteses de contratação direta, notadamente através da dispensa, envolve contornos diferentes que precisam ser ponderados. Como a hipótese vincula-se à dispensa prevista no caput do artigo 4º da Lei nº 13.979/2020, cuja aplicação é transitória e marcada pelas excepcionalidades que marcam este período de ações de combate à COVID-19, algumas nuances ainda mais específicas podem surgir.
Respeitando o espaço da coluna, iremos focar em um ponto específico, relativo à volatilidade dos preços de insumos voltados às ações de combate à COVID-19.
Como ressabido, o Sistema de Registro de Preços é marcado pela formação de um instrumento vinculativo denominado Ata de Registro de Preços, onde, entre outras coisas, são registradas as especificações dos bens ou serviços licitados (contratados), condições de fornecimento e seus respectivos valores. Assim, as condições estabelecidas no instrumento, inclusive em relação valor do produto ou serviço, em princípio, vincularão o fornecedor registrado por toda a vigência da Ata de Registro de Preços.
Sabendo que a Ata pode ter vigência de até 12 meses, diante da alta volatilidade dos preços de alguns dos insumos voltados às ações de combate à COVID-19, a perspectiva de vinculação a um período longo tende a gerar grande risco ao fornecedor. Esse risco converte-se em custo e pode induzir o afastamento de potenciais fornecedores e/ou o aumento dos preços transacionais, prejudicando eventual vantagem decorrente do ganho de economia de escala que poderia ser alcançado com uma compra compartilhada imediata.
Outrossim, uma característica marcante da Ata de Registro de Preços reside no fato de que ela é um instrumento de potencial “utilização plúrima”, podendo balizar diversas relações contratuais, com variados órgãos contratantes (seja gerenciador ou participante) em diferentes localidades e com diferentes perfis.
Em uma avaliação econômica, o compromisso de fornecimento a diferentes órgãos pode gerar riscos e “variáveis de custos” que precisarão ser diluídos nas propostas de preços do pretenso contratado. Como exemplo: se uma empresa de Brasília é chamada ao fornecimento de bens ou serviços a um órgão de Brasília, ela possui um custo de logística reduzido. Noutro prumo, caso ela se comprometa a fornecer cumulativamente a órgãos localizados em Manaus, Porto Alegre e Recife, terá que diluir os custos de logística majorados em sua proposta de preço, ampliando o preço dos bens ou serviços registrados.
Outros aspectos subjetivos podem impactar o preço transacional, em uma contratação compartilhada, como, por exemplo, eventual risco de inadimplemento por um dos órgãos participantes, diante de seu histórico de pouca responsabilidade com seus compromissos financeiros ou contratuais.
A diminuição do número de procedimentos licitatórios decorrentes de compras compartilhadas realmente produz relevante economia, dado os altos custos de realização dos certames. Esta vantagem, contudo, é reduzida em relação ao compartilhamento para a contratação por dispensa, uma vez que nesta, o procedimento é simplificado, com menores custos transacionais.
Para auxiliar a eficiência dessas dispensas, uma excelente medida vem sendo adotada pelo Governo Federal; o compartilhamento transparente e acessível das informações em relação a fornecedores, preços praticados e execução adequada da contratação, para que tenhamos elementos de sinalização (signaling) importantes que podem ser utilizados nas contratações diretas realizadas por todos os órgãos que necessitam.
De qualquer forma, a nobre intenção da Medida Provisória pode ser aperfeiçoada para a construção de um modelo de e-marketplace público. Afinal, diversos países do mundo já adotam o e-marketplace para a satisfação de parte de suas contratações públicas, de forma que o Brasil pode aproveitar tais experiências, identificando vantagens e prevenindo eventuais riscos, para avançar na construção deste eficiente ambiente de trocas[1].
[1] Sobre o tema contratações públicas e e-marketplace, sugerimos a leitura do artigo: NÓBREGA, Marcos; TORRES, Ronny Charles L. de. Licitações públicas e e-marketplace: um sonho não tão distante Disponível na plataforma Sollicita.
AUTOR:
Ronny Charles L. de Torres
Advogado da União. Doutorando em Direito do Estado pela UFPE. Mestre em Direito Econômico pela UFPB. Pós-graduado em Direito tributário (IDP). Pós-graduado em Ciências Jurídicas (UNP). Membro da Câmara Nacional de licitações e contratos da Consultoria Geral da União. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (10ª Edição. Ed. JusPodivm); Administrativo (Co-autor. 10ª Edição. Ed. Jus Podivm); RDC: Regime Diferenciado de Contratações (Co-autor. Ed. Jus Podivm); Terceiro Setor: entre a liberdade e o controle (Ed. Jus Podivm), Licitações e contratos nas empresas estatais (Co-autor. Ed. Jus Podivm). Improbidade administrativa (Co-autor. 4ª edição. Ed. Jus Podivm).
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