Remédio Para Controlar O Arbítrio E O Abuso De Direito

2 de outubro de 2024

O ônus de motivar é requisito determinante da validade do ato administrativo. A descoberta desse traço da atividade público-administrativa é antiga e remonta ao Caso Gomel do Conselho de Estado Francês (1917) e aos trabalhos de Hauriou e Jèze, fundamentalmente.

Mas o dever de motivar foi ampliado e reforçado com a crescente complexidade e aumento da discricionariedade administrativa. Complexidade e discricionariedade não são fenômenos idênticos, nem expressões sinônimas, mas caminham juntas e até certo ponto se associam no contexto atual do direito administrativo.

Os fundadores do direito administrativo seguramente não imaginaram que o Estado chegaria ao grau de atuação social e econômica a que hoje se presencia, dada a necessidade de ações afirmativas para a efetivação dos direitos fundamentais, ou à imperatividade de sua atuação no domínio econômico para corrigir falhas de mercado, remediar crises, prestar serviços públicos e estimular o desenvolvimento.

A complexidade e sua irmã, a discricionariedade administrativa, aumentaram, seja em função de fatores relacionados à estrutura das instituições políticas (notadamente do Legislativo), seja por fatores conjunturais (como crises econômicas, emergência climática, pandemia, guerra, terrorismo, movimentos sociais, golpes de estado, progresso tecnológico ou interdependência global).

Para lidar com esse quadro, o desenho do sistema jurídico ficou mais voltado ao atingimento de escopos gerais, identificados não só a partir do processo legislativo, mas também das demais fontes geradoras do direito administrativo (como a Constituição, tratados internacionais, precedentes jurisdicionais e princípios jurídicos). Em consequência, passamos a ter um sistema mais flexível, processual, responsivo, aberto, dialógico, teleológico e, acima de tudo, mais discricionário e ensejador da elaboração de comandos ou decisões mais complexos pelas autoridades públicas.

Sob o risco de essa conjuntura resultar em um aumento insuportável do arbítrio estatal ou dos abusos e desvios de poder, o direito administrativo reagiu e transformou sua visão a respeito dos motivos e da motivação. Passou a compreendê-los como elementos estruturantes das decisões administrativas e, salvo exceções expressas em lei, a motivação, assim como os motivos por ela exteriorizados, tornaram-se deveres gerais das autoridades públicas.

A Lei Federal de Processo Administrativo, a LINDB, a Lei do Procedimento Decisório das Agências Reguladoras e a Lei de Liberdade Econômica revelam a tendência em prol de um dever geral de motivação dos atos administrativos, inclusive os normativos de interesse geral. Essa tendência se acentua com a reforma da Lei de Processo Administrativo (PL Senado 2.481/2022) e com outras normas que fixam técnicas e deveres específicos quanto à instrução isenta, correta e completa de processos administrativos, tais como a explicitude dos fatos, a clareza e congruência da motivação, a consideração de erros de fato, de direito e a qualificação jurídica dos fatos.

Em suma, as motivações das complexas decisões administrativas, em um mundo que se caracteriza pelo avanço da atuação do Estado sobre a sociedade e a economia, são elementos essenciais para o controle do arbítrio e do abuso de poder.

Imagem/Reprodução: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Fonte: JOTA

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